sábado, 7 de maio de 2011



O ambiente dos apócrifos

        Nos primeiros séculos surgiram muitas heresias: Alguns afirmavam que Jesus não era Deus; outros que Jesus só assumiu sua divindade na cruz (adocionismo); outros que Jesus era Deus, mas era homem só na aparência (docetismo), etc.



Os marcionitas
            Seguidores de Marcião - Acreditavam na existência de dois deuses. O primeiro deles seria um deus mau - o deus dos judeus, responsável por tudo de ruim no planeta. Jesus seria o segundo, um deus bom, que teria surgido para nos liberar da divindade maligna.
            Esse cristianismo, que hoje soa bizarro, foi popular no começo do século II, antes de ser condenado como heresia, em 139.
            Uma das razões para o sucesso é que a tese de dois deuses exclui a culpa cristã. Se um deus mau criou o mundo, é ele o responsável pela maldade existente sobre a terra.



Os gnósticos
            Tinham crenças aparentadas às dos marcionistas. Também para eles o mundo foi criado por uma divindade imperfeita. A diferença é que os gnósticos acreditavam que o Deus bom influiu na criação. Ele dotou cada um dos seres humanos de uma centelha divina, que nos dá a capacidade de “despertar” dessa imperfeição e conhecer a verdade. Se conseguirmos acumular conhecimento (gnosis, em grego), seremos libertados desse mundo mau e estaremos salvos.
            Cristo, para os gnósticos, seria um enviado desse Deus bom, cujo objetivo seria nos ensinar a “despertar”. A escrita e a leitura cumpririam um papel importante nesse processo, e por isso eles deixaram muitos textos (boa parte dos apócrifos são gnósticos). Nota-se uma forte influência da filosofia grega nesse cristianismo.
            Há uma boa pitada de gnosticismo encontramos, por exemplo, na frase do evangelho de Tomé:
Quem não conheceu a si mesmo não conhece nada, mas quem se conheceu veio a conhecer simultaneamente a profundidade de todas as coisas”.
            Os seguidores de Tomé também acreditavam na salvação pelo conhecimento, mas iam além: pregavam que a busca é completamente individual. Eles rejeitavam a hierarquia. A salvação está dentro de cada um de nós e podemos atingi-la sem a ajuda de um intermediário (sacerdote).




Reação:
Eusébio de Cesária, que no século IV escreveu o primeiro livro sobre a história do cristianismo, afirmava que o gnosticismo estava sendo introduzido pelo demônio, "que odeia o que é de Deus, que é inimigo da verdade, hostil à salvação do mundo, voltando todas suas forças contra a Igreja".

PREGAÇÃO GNÓSTICA
            Para os gnósticos, como vimos, o mundo é mau por natureza, mas cada um de nós traz dentro de si uma centelha e, se atingirmos o conhecimento, iremos “despertar”. Jesus veio à Terra para nos ensinar o caminho. Agora substitua nessa história o nome de Jesus pelo de Neo. E temos um dos maiores sucessos de bilheteria dos últimos tempos: Matrix.
            Matrix fez tanto sucesso porque toca num tema com o qual é difícil não se identificar: a sensação de não pertencer a esse mundo, de se sentir estranho nele, e de que ele é banal demais para nossas altas aspirações espirituais.

Pontos que tornam os escritos apócrifos atraentes para o público de hoje:
            Os apócrifos revelam um Jesus mais democrático e menos sexista, mais tolerante e menos autoritário - características que combinam com os nossos dias. Eles eliminam a culpa e abrem caminho para uma fé pessoal, algo que faz sucesso nesse tempo marcado pelo individualismo. Sem falar que estão cercados de uma charmosa aura de mistério.
"Esta é uma sociedade que desconfia de qualquer instituição, então dizer que eles (os apócrifos) foram condenados pela Igreja vira um chamariz e tanto".
Pedro Vasconcellos, teólogo ligado à PUC – São Paulo.



Dados fornecidos pelos apócrifos, que foram incorporados pela Tradição da Igreja:

- A 6ª estação da Via Sacra onde Verônica enxuga o rosto de Jesus;
- O nome dos pais de Maria (Joaquim e Ana);
- A Assunção de Maria;
- O nome dos três Reis Magos (Melquior, Batazar e Gaspar) etc.

O evangelho de Maria Madalena e de Felipe
Dos escritos apócrifos, um dos mais estudados e que traz maiores revelações é o Evangelho de Maria Madalena, encontrado em Nag Hamadi, em 1945, no Egito. Ao contrário do que a maioria dos católicos pensa, em virtude de uma interpretação errônea das passagens evangélicas, ela não foi a prostituta que teria ungido os pés de Jesus. 

Mas, então, quem é Maria Madalena? Para surpresa de muitos, ela era uma das discípulas de Jesus e líder de uma comunidade.

O fato mais surpreendente, no entanto, é a ligação dela com Jesus. Segundo os escritos apócrifos, no evangelho de Filipe, Maria Madalena era a discípula favorita e a amada de Jesus. Considerada sua companheira, ela recebia beijos na boca de Jesus e também os seus conhecimentos secretos. Beijo na boca, naquela época correspondia à comunicação do espírito, ou seja, de ensinamentos. Essa relação próxima causou ciúmes entre os demais discípulos, principalmente Pedro.



O evangelho de Tomé: místico e revolucionário

Ao lado do Evangelho de Maria Madalena, o Evangelho de Tomé é um dos escritos apócrifos considerados mais importantes. Também foi encontrado em 1945, em Nag Hamadi, no Egito. Eles estavam em 50 pergaminhos escritos em copta, língua falada pelos egípcios, nos primeiros anos do cristianismo. Nele, Jesus aparece místico e revolucionário. Justamente essa visão dele fez com que a Igreja não aceitasse os textos de Tomé.

A Igreja Católica nega qualquer semelhança entre Tomé, o apóstolo, e Tomé, de Nag Hamadi.

Neste Evangelho, o filho de Deus aparece mais místico. Em uma das passagens, Ele diz. “O Reino de Deus está no interior de cada um de nós e não no céu”. Por esses e outros ditos esotéricos, o Evangelho de Tomé, já naquela época, foi considerado apócrifo.



O evangelho de Judas

Um “Evangelho de Judas” foi escrito, em grego, entre 150 e 180 depois de Cristo e ninguém sabe quem é o seu autor. Mas, com toda certeza, não foi escrito por Judas Iscariotes, o traidor de Jesus. É provável que foi escrito por membros de uma seita dos cainitas, de origem gnóstica.
Em 180 dC, Irineu, que era bispo de Lião, escreveu um texto contra as heresias e condenou, entre outros escritos, este “evangelho de Judas”. Portanto, desde o século II se sabia da existência deste escrito que fazia parte de tantos outros textos apócrifos.

Em torno do ano 300 dC, no Egito, foi escrita na língua copta, uma cópia deste “evangelho de Judas”. Este é o texto que foi encontrado em 1978. Depois passou por diversas mãos. Em setembro de 2000 foi adquirido pela Casa de Antiquários Tchacos da Suíça, que cedeu à Fundação Maecenas para conservá-lo, e vendeu-o por cerca de um milhão de dólares à National Geographic, que iniciou a sua tradução para as línguas modernas. E somente perto da Páscoa de 2006, é que foi julgado oportuno anunciar a “descoberta” ao público.

Ainda não conhecemos todo o conteúdo do “evangelho de Judas”. Ele inicia com as seguintes palavras: “Aqui se narra o segredo da revelação que Jesus fez falando com Judas Iscariotes...”.

O “evangelho de Judas” conta que Judas Iscariotes era o mais iluminado de todos os Apóstolos, isto é, era o favorito entre os Doze. Jesus teria escolhido Judas para ser o único a conhecer a verdadeira natureza de sua missão. Cristo teria conversado em separado com Judas durante uma semana e pedido que ele o entregasse aos romanos.

Os demais Apóstolos são acusados, pois estão em conflito com Judas. Este tem uma visão onde diz: “Eu vi a mim mesmo enquanto os Doze[1] discípulos me apedrejavam e me perseguiam”. O texto diz ainda que Jesus lhe disse: “serás maldito por gerações, mas reinarás sobre eles”.

Está escrito ainda que Jesus teria dito a Judas: “Tu superarás todos eles. Porque tu farás com que venha sacrificado o homem dentro do qual eu estou”. Assim, entregando Jesus, Judas estaria ajudando-o a se libertar do corpo humano, e ainda ajudaria Jesus a liberar a sua entidade espiritual e a sua essência divina.

No papiro que foi descoberto falta a parte final. O “evangelho de Judas” se interrompe improvisamente assim: “Esses (aqueles que vieram prender Jesus) aproximaram-se de Judas e lhe disseram: ‘o que fazes aqui? És um discípulo de Jesus?’ Judas deu a eles a resposta que queriam, recebeu deles dinheiro e o entregou”. Não diz nada sobre a crucifixão, morte e ressurreição de Jesus.

Portanto, segundo o apócrifo, este era o destino de Judas: entregar Jesus para que ele fosse morto e assim se libertasse do corpo humano. Só então Jesus poderia manifestar a divindade que possuía dentro de si. Assim, Judas não seria um traidor, mas somente cumpria a missão que Jesus lhe havia pedido; seria o meio através do qual Jesus de Nazaré iria atingir o seu objetivo.

Dois trechos do evangelho apócrifo de Pedro

 “Um dia, o Senhor Jesus estava na beira do rio com outras crianças. Haviam cavado pequenas valas para fazer escorrer a água, formando assim pequenas poças. O Senhor Jesus havia feito doze passarinhos de barro e os havia colocado ao redor da água, três de cada lado. Era um dia de Sabbath e o filho de Hanon, o Judeu, veio e vendo-os assim entretidos, disse-lhes: ‘Como podeis, em um dia de Sabbath, fazer figuras com lama?’ Ele se pôs, então, a destruir tudo. Quando o Senhor Jesus estendeu as mãos sobre os pássaros que havia moldado, eles saíram voando e cantando. Em seguida, o filho de Hanon, o Judeu, aproximou-se da poça cavada por Jesus para destruí-la, mas a água desapareceu e o Senhor Jesus disse-lhe: ‘Vê como está água secou? Assim será a tua vida’. E a criança secou”.

”Certa noite, o Senhor Jesus voltava para casa com José, quando uma criança passou correndo na sua frente e deu-lhe um golpe tão violento que o Senhor Jesus quase caiu. Ele disse a essa criança: ‘Assim como tu me empurraste, cai e não levantes mais’. No mesmo instante, a criança caiu no chão e morreu”.



Nenhum comentário:

Postar um comentário