domingo, 6 de março de 2011

Tanatologia - Estudo da morte (referência: professora Sônia Sirtoli)

TANATOLOGIA






Vida e finitude
Informações gerais para os módulos


Velhice e morte,
Medicina e morte e
Cuidados paliativos e Bioética

A morte constitui um dos maiores enigmas da existência humana
e demandou esforços para seu equacionamento ao longo da história do
pensamento ocidental


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Tanatologia
Vida e finitude
Informações gerais para os módulos
Velhice e morte,
Medicina e morte e
Cuidados paliativos e Bioética
Tanatologia.pmd 1 25/03/2008, 12:35UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Reitor
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Sub-reitora de Graduação
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UNIVERSIDADE ABERTA DA TERCEIRA IDADE
Direção
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Vice-direção
Célia Pereira Caldas
Tanatologia.pmd 2 25/03/2008, 12:35Professor Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D.
Rio de Janeiro
2008
Tanatologia
Vida e finitude
Informações gerais para os módulos
Velhice e morte,
Medicina e morte e
Cuidados paliativos e Bioética
Tanatologia.pmd 3 25/03/2008, 12:35CATALOGAÇÃO NA FONTE
CRDE/UnATI/UERJ
R 4 8 4 Ribeiro, Euler Esteves
Tanatologia: vida e finitude. Informações gerais para os módulos:
velhice e morte, Medicina e morte, cuidados paliativos e bioética - Rio de
Janeiro: UERJ, UnATI, 2008.
145 p.
ISBN   978-85-87897-17-6
1.Tanatologia 2. Envelhecimento 3. Cuidados paliativos 4. Morte 5.
Bioética I.Ribeiro, Euler Esteves II. Título.
CDU 612.67
Copyright  © 2008, UnATI
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duplicação ou reprodução deste volume, ou de parte do mesmo, sob quaisquer meios, sem autorização expressa da UnATI.
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Capa   Heloísa Fortes
Tanatologia.pmd 4 25/03/2008, 14:50


Apresentação
A morte constitui um dos maiores enigmas da existência humana
e demandou esforços para seu equacionamento ao longo da história do
pensamento ocidental (DASTUR, 2002). É considerada como grande divisor
das águas na plena constituição dos homens e, de acordo com Martins
(2001), é a mais universal das experiências, e sua representatividade varia
entre as culturas.
Conhecemos a morte somente mediante o processo de morrer dos
outros, cujas vivências jamais nos serão acessíveis em sua real dimensão.
Mesmo se constituindo em um fenômeno da vida, sempre despertou grande
temor no ser humano, e este sentimento se expressa na dificuldade de se
lidar com a finitude, estando presente nas crenças, valores e visão de mundo
que cada um traz consigo. Trata-se de um acontecimento medonho, pavoroso, um medo universal, mesmo sabendo que o homem é capaz de dominá-
la em vários níveis (KUBLER-ROSS, 1985). Este sentimento é parte natural
do comportamento humano, e nas culturas que a percebem como acontecimento natural, o medo de morrer não está presente.
Sócrates, citado por Dastur (2002), sugere que o medo da morte
é algo antinatural, pois se baseia na noção de que se conhece algo que se
desconhece. A relação do ser humano com a morte vem se transformando
através dos séculos, e já foi considerada como um acontecimento natural,
inevitável e perfeitamente aceito. Essa relação anterior de familiaridade
com a morte possui hoje outra conotação na cultura ocidental, visto que
as pessoas se sentem desconfortáveis perante ela.
No mundo moderno, a morte está escondida como algo sujo e
vergonhoso, sinônimo de absurdo, horror e sofrimento; algo escandaloso
e insuportável (IMEDIO, 1998). Segundo Thomas, citado por Martins
Tanatologia.pmd 5 25/03/2008, 12:356 Tanatologia: vida e finitude
(2001), as sociedades modernas tendem a escamotear a morte. Apesar de
termos consciência de nossa finitude, falar sobre ela é, normalmente,
considerado um ato mórbido, uma tentativa de mau gosto.
A finitude da vida possui sempre duas representatividades: uma
física e outra social, a morte de um corpo (biológica) e a morte de uma
pessoa (MARTINS, 1983). A morte de uma pessoa adulta significa, normalmente, dor e solidão para os que ficam. Portanto, sob este prisma é
apenas a destruição de um estado físico e biológico que ela traz, mas é
também o fim de um ser em correlação com um outro. Este vazio por
ela deixado não atinge somente as pessoas que conviviam com quem
morreu, mas também a toda rede social (RODRIGUES, 1983).
É interessante lembrar que, dentre todos os seres humanos que
precisam conviver com os sentimentos provocados pela morte, os trabalhadores da área de Saúde se encontram mais suscetíveis, pois no cenário
das instituições hospitalares ela está constantemente presente, motivo pelo
qual é tema relevante, porém de difícil abordagem reflexiva no cotidiano
da prática de cuidado da enfermagem, porquanto temos cristalizado em
nosso ser o jargão “enquanto há vida há esperança”. Neste sentido,
vivenciamos um dilema existencial em função do valor negativo dado à
finitude, na qual a vida é valorizada e a morte significa a extinção total
do ser. O jargão também indica uma obstinação terapêutica que procura,
a todo custo, prolongar a vida (HENNEZEL & LELOUP, 1999), motivo
pelo qual as instituições de Saúde investem cada vez mais em recursos
tecnológicos para reestruturação e recuperação do paciente crítico, ou
seja, para manutenção da vida. Nesses ambientes, a morte quase sempre
é vista como fracasso, como derrota.
As situações de terminalidade na área da Saúde são freqüentes
para os profissionais e muitas vezes inevitáveis, ficando o trabalhador
exposto a diversas sensações, porquanto os hospitais são caracterizados
como instituições de cura e recuperação, e  as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) como locais reservados para manutenção da vida a qualquer
custo. Entretanto, o que se observa nas unidades críticas, em geral, é uma
atenção destinada às técnicas, à tecnologia que dá suporte para a manutenção da vida, em detrimento da condição humana e das necessidades
emocionais do paciente. Contudo, não podemos esquecer que o ato de
Tanatologia.pmd 6 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 7
cuidar vai muito além do fazer técnico, implica no entrelaçamento das
ações de cuidado instrumentais e expressivas, isto é, ligadas à subjetividade do corpo cuidador (LABRONICI, 2002). Assim sendo, espera-se
que a equipe de enfermagem, mediante o cuidado profissional, desenvolva
suas ações objetivando não somente assistir o ser humano no instante
sublime que é seu nascimento, mas se comprometer com esse momento
desconhecido em sua essência, ou seja, o momento da morte.
Boemer, citado por Lunardi Filho et al., (2001), afirma que,
desde a sua formação, o profissional enfermeiro se sente compromissado
com a vida, e é para preservação desta que deverá se sentir capacitado.
Sua formação acadêmica está fundamentada na cura e nela está a sua
maior gratificação. Assim, quando em seu cotidiano de trabalho necessita
lidar com a morte, em geral, sente-se despreparado, e tende a se afastar
dela.
É PRECISO MUDAR ESTE QUADRO.
Tanatologia.pmd 7 25/03/2008, 12:35Tanatologia.pmd 8 25/03/2008, 12:35Sumário
1. Velhice e morte .............................................................................. 11
1.1 Generalidades sobre o tema ................................................... 11
1.1.1 A difícil tarefa de compreender o nascer
e o morrer ................................................................... 11
1.1.2 Mitos, costumes, lendas e curiosidades sobre
a morte ......................................................................... 15
1.2 O velho: ser biológico, ser biográfico ................................. 20
1.2.1 O  envelhecimento biológico ........................................ 21
1.3 Relacionamento entre o profissional da Saúde e o idoso .... 27
1.3.1 Relação profissional paciente-idoso ............................. 32
1.3.2 Dever  prima facie ......................................................... 35
1.3.3 Comunicação de más  notícias .................................... 36
1.4 Os direitos do paciente idoso ............................................... 40
1.4.1 Direitos do paciente à luz da legislação brasileira ..... 42
1.5 O idoso como paciente terminal .......................................... 49
1.6 Envelhecimento e morte ......................................................... 49
1.6.1 Qual o segredo para chegar  ao centenário? ................ 49
1.6.2 Morte e envelhecimento .............................................. 55
2. Medicina e morte .......................................................................... 59
2.1 A história da morte ............................................................... 59
2.1.1 Sobre os mistérios da morte e o amparo àqueles
que dela se aproximam................................................ 64
2.1.2 Por  que falar da morte? ............................................... 65
2.2 A morte e a Medicina ........................................................... 72
2.3 A morte e a Psicanálise ......................................................... 73
2.4 A morte e o ensino médico ................................................... 75
Tanatologia.pmd 9 25/03/2008, 12:3510 Tanatologia: vida e finitude
2.5 Terminalidade ......................................................................... 77
2.5.1 O  que é o paciente  terminal? ..................................... 79
2.6 Bioética e medicalização da morte ....................................... 81
2.6.1 O  paciente terminal: vale a pena investir
no tratamento? .............................................................. 81
3 Cuidados paliativos e Bioética ....................................................... 85
3.1 Cuidados paliativos e aspectos psicológicos .......................... 85
3.1.1 O  cuidado à família do paciente
gravemente enfermo ..................................................... 87
3.1.2 Autonomia e direito de morrer com dignidade ......... 91
3.1.3 Morrer com dignidade .............................................. 107
3.1.4 O  profissional de Saúde e  a morte .......................... 108
3.1.5 O  que podemos fazer ................................................ 109
3.1.6 Aprendendo a morte para  ajudar melhor ................. 110
3.2 Bioética – conceitos básicos e definições ........................... 114
3.2.1 Velhos temas, novas perplexidades ............................ 115
3.2.2 Ética, Moral e Direito .............................................. 141
3.2.3 A  evolução da definição de Bioética na
visão de Van Rensselaer Potter – 1970 a 1998 ....... 142
3.2.4 Bioética no Brasil – iniciativas institucionais ........... 145
Tanatologia.pmd 10 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 11
Velhice
e morte
1.1 Generalidades sobre o tema
Esta seção objetiva fornecer subsídios teóricos e conceituais para
as discussões durante as aulas sobre o tema abordado nesta disciplina, ou
seja, a velhice e a morte do ser humano.
1.1.1 A  difícil tarefa de compreender o nascer e o morrer
1
Adaptação do texto original de Mariana Parisi e Cláudia França (Redação do jornal Aprender)
A difícil aceitação da morte de um ente querido é natural e muito
comum, porém, o prolongamento desta dor pode trazer conseqüências
drásticas para qualquer indivíduo que vive o luto. Uma relação de comportamentos elaborada a partir de pesquisas do estudioso José Paulo da
Fonseca (2001) mostra alguns  comportamentos freqüentes diante da
iminência da morte, ao que este autor chama de “luto antecipatório”:
2
Choque  – Acontece quando a pessoa fica sabendo da doença e
sofre um abalo de desespero, atordoamento, entorpecimento, confusão.
As reações podem variar desde uma apatia completa até a superatividade.
Muitas vezes a pessoa se sente como se estivesse no ar, como se tudo não
passasse de um sonho, ou, mais precisamente, de um pesadelo que a
qualquer momento vai terminar. Pensa: “vou acordar e saber que nada
1
1 Disponível em: <http://eaprender.ig.com.br/jornal_materia_ver.asp?IdMateria=1240>.
2 De acordo com a Psicologia, entende-se por luto antecipatório uma série de processos
pelos quais passam os familiares de uma pessoa que sofre de uma doença grave, sendo
muito provável que venha a morrer em um tempo mais ou menos curto.
Tanatologia.pmd 11 25/03/2008, 12:3512 Tanatologia: vida e finitude
di s t o   é   v e rdade ,   que   f o i  um pe s ade l o   que   t i v e ” .  Out r a s   v e z e s ,   a
superatividade no trabalho é um meio de tentar fugir da realidade demasiadamente angustiante para ser aceita facilmente. O lema é “fazer muitas
coisas, estar o dia todo completamente ocupado, sem um minuto livre, a
fim de não pensar”.
Negação – Acontece quando a pessoa demonstra não saber lidar
com a situação e se protege por meio de uma tentativa de continuar a
viver como se nada tivesse mudado na sua vida. É própria da incapacidade de aceitar uma realidade iminente. A pessoa pode reagir com isolamento – quando fica ensimesmada – ficar calada, reflexiva, apática.
Trata-se de um mecanismo de defesa usado para poder lidar com as
responsabilidades diárias da vida e para poder ganhar tempo, assimilando
aos poucos o que aconteceu. Neste caso, geralmente o silêncio é o meio
que a pessoa encontra para lidar com a realidade.
Ambivalência – Acontece quando a pessoa flutua, em um movimento pendular, entre a aceitação de uma perda iminente e sentimentos
e reações de negação. Reflete sobre o estado, por exemplo, mas faz planos
de longo prazo. Muitas vezes este mecanismo de defesa usado pelo paciente tem um efeito altamente positivo. O fato de fazer planos e ir à luta
para vê-los realizados é um poderoso motor para se manter vivo e lúcido.
O fato de ter objetivos ainda para cumprir pode ser uma medida positiva
de se aferrar à vida. É comum que pessoas que tinham um importante
objetivo – como, por exemplo, reconciliar-se com algum familiar, fazer
uma transação comercial para deixar uma herança para seus filhos, publicar um livro ao qual dedicou muitas horas de pesquisas e trabalho, etc.
– possam usar esses logros para ajudar na luta pela vida e, especialmente,
para não cair numa depressão profunda, fato que, sem dúvida, encurtará
a vida.
Revolta – Acontece muito comumente. A pessoa se sente castigada, com muita raiva, ressentida, e esses afetos provocam, muitas vezes,
protestos contra si mesma ou contra o destino, Deus, etc.
É interessante ver com que freqüência se vincula a doença a um
castigo pela vida levada ou a um castigo que não tem uma lógica que o
possa explicar. A relação de causa–efeito muitas vezes aparece no discurso
do doente e de seus familiares. A pessoa doente se queixa: “que mal fiz
Tanatologia.pmd 12 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 13
na vida para merecer isto, este castigo?” Há toda uma cultura que vem
se arrastando por muitos anos, por muitos séculos, que explica toda
doença como um castigo divino frente a uma falta (muitas vezes este
castigo tem como causa uma infração que nem mesmo a pessoa cometeu
e, sim, seus antepassados, tal como consta no Velho Testamento).
Negociação – Aparece o sentimento religioso ou a procura por
alguma força superior (que pode adquirir os matizes mais diversos) para
que possa ser feito um acordo de prolongar a vida, isto é, adiar a morte
ou curar. Nesse momento, intensificam-se as manifestações de crença e
se realizam ritos com a finalidade de obter esse resultado. Com freqüência, tanto o paciente quanto seus familiares tentam todo tipo de recursos
de cura, fazendo uma verdadeira peregrinação por inúmeros cultos, religiões, crenças e ritos. Muitas vezes também são presa fácil de charlatões
que exercem sua impostura tirando proveito econômico do desespero
frente à procura de uma cura milagrosa.
Depressão – Uma tristeza profunda se apodera do doente ou de
seus familiares, ou ambos. Simonton (1987), no seu trabalho, menciona
a grande dificuldade de um enfermo melhorar ou prolongar a vida se for
vítima de depressão. O autor constatou que os pacientes que manifestam
uma firme vontade de sarar, de viver, obtêm uma sobrevida muito significativa. Entretanto, os que sofrem de depressão resistem muito menos ao
calvário do tratamento e morrem muito antes.
3
Os comportamentos mencionados não são exclusivos do luto antecipatório, são também muito freqüentes no luto real. O ser humano nunca está preparado para o desconhecido. Por esse motivo, o pavor e
a recusa, diante do fato de conviver com a ausência de
alguém ou mesmo com a idéia de desconhecer o lugar
e a situação para qual o destino o levou.
Apesar do sofrimento, é importante tentar compreender a dinâ-
mica do  ciclo da vida e perceber que a morte desempenha o seu papel
na sociedade: o de renovar, dando lugar e espaço para novas vidas.
3 MONTOTO, Claudio César; PEREIRA, Rosana Aparecida. Frente e Verso: Compaixonarse. São Paulo: Editora Phênix, 2002:24-26.
Tanatologia.pmd 13 25/03/2008, 12:3514 Tanatologia: vida e finitude
Assim como o nascer, o morrer faz parte da natureza de todos
os seres. Mesmo sem obedecer a regras ou a qualquer período de tempo,
esta lei da natureza se encarrega de garantir uma constante recolocação e
reestruturação social.
À medida em que se observa o mundo, é possível perceber que
tudo está em mutação e nada é para sempre, inclusive a dádiva de viver.
Todos os dias, novas vidas chegam às maternidades e os mais jovens
acabam por ocupar o espaço daqueles que se ausentam do convívio.
Sobre isto, a teóloga, professora, escritora e antropóloga Maria
Ângela Vilhena esclarece que a morte tem repercussão direta na própria
organização da vida, da sociedade e do mundo: “A morte repercute em
todos os setores da vida: nas relações sociais, políticas e do mundo”.
“A morte implica num rearranjo da economia, por exemplo. Ou
seja, se ocorre a morte de um operário, há uma função trabalhista que
deixa de ser cumprida; essa perda deixa um vácuo que deve ser preenchido. O mesmo acontece quando ocorre a morte de um professor, de um
empresário e de qualquer outro trabalhador”, explica Vilhena.
Obviamente, cada ser é único e ímpar em todos os aspectos da
vida e, por mais que sejam substituídos em certas ações operacionais,
jamais serão substituídos em suas realizações e empreendimentos. Homens e mulheres, todos os dias, de formas distintas, relacionam-se uns
com os outros e com tudo que há no mundo – fazem assim porque são
seres dotados de inteligência, sentimentos e outras capacidades. E, nestes
aspectos da vida, o ser humano deixa a simples posição de ser um alguém
para passar a ser o sujeito de ações e pensamentos singulares. Desta
forma, todos constroem a história da humanidade e são lembrados pelas
pessoas.
Diante de todos esses fatos e argumentos, é impossível não pensar que é um certo “egoísmo” humano querer ser imortal. A grande
maioria deseja a vida eterna para si e para os seus. Sem analisar o quão
prejudicial isso poderia ser para o funcionamento normal da sociedade,
por exemplo.
“A morte é necessária também no âmbito familiar, pois quem
hoje é filha em uma família, amanhã será mãe e posteriormente avó e
assim por diante. Isso significa que os lugares na família também devem
Tanatologia.pmd 14 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 15
ser preenchidos, permitindo assim que todos tenham a mesma experiência
de vida”, afirma Vilhena.
Na vida humana, sempre haverá a consideração do fato de que
mesmo quando um ser humano deixa de viver entre os demais, ainda
assim ele continuará eterno nas lembranças, na lição transmitida, no
exemplo de pessoa e nas obras construídas em vida.
A morte também educa para uma vida mais intensa, com sentimentos profundos. Enfim, ela ensina que o importante é construir uma história
mais cheia de ações que poderão ser lembradas, pois em algum momento do
futuro ela aguarda aqueles que ainda vivem. E, daqueles que se foram, ela
nunca levará os bons sentimentos e as boas lembranças que ficaram.
1.1.2 Mitos, costumes, lendas e curiosidades sobre a morte
4
• LUTO
O luto é uma forma de expressar um sentimento de dor, tristeza,
pelo falecimento de uma pessoa ou animal.
As expressões do luto são representadas por meio de variados
gestos.
Roupas – Em geral, o preto, o roxo e o vermelho são as
cores que marcam o luto.
Faixa preta no braço esquerdo.
Chapéu.
4 Disponível em: <http://eaprender.ig.com.br/Viewer.asp?RegSel=98&Pagina=1#materia>.
Tanatologia.pmd 15 25/03/2008, 12:3516 Tanatologia: vida e finitude
Véu.
Levantamento de bandeira a meio mastro.
Silêncio – Minutos de silêncio em cerimônias para homenagear ou expressar respeito a alguém.
Sextas-feiras – Dia em que Jesus Cristo morreu. Neste dia
é costume não tocar os sinos. Neste dia também são realizados os jejuns e as penitências.
Sol – Segundo uma crença popular, o sol usa um véu negro
até seu nascimento no dia seguinte.
• A SIMBOLOGIA DAS CORES EM RELAÇÃO À MORTE
As cores são também expressões de sentimentos e servem para
simbolizar um estado de espírito. Conheça a relação de algumas cores que
expressam o luto ou sentimentos relacionados com a morte.
Preto  – No luto, a cor que mais representa o sentimento de
dor é o preto. Sua definição, em geral, é o protesto, a
rebelião, o mistério, a neutralidade, a tristeza, a cor representante da morte, uma cor muito ligada à liturgia. Essa cor
foi muito usada por gregos e romanos.
Azul  – Na China, essa cor é freqüentemente usada para o
luto. Sua representação demonstra repouso, calma, tranqüilidade, afeto, espiritualidade, meditação e liberdade.
Tanatologia.pmd 16 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 17
Branco  – Entre os gregos, os romanos e germanos, o branco
já foi visto como cor de luto. Essa cor representa paz interior, pureza, inocência, passividade, superioridade. Como
cor-luz, o branco é a mistura de todas as cores.
Vermelho  – O vermelho era usado como cor de luto na
Renascença, época de vida de grandes pintores como Leonardo da Vinci, Rafaello Santi, Michelangelo, entre tantos
outros. Além disso, também é usado em cerimônias do Papa.
Essa cor é a representação da energia intuitiva, do amor, da
competição e da irracionalidade.
Violeta  – É mais uma das cores usadas como representação
do luto em vestimentas e freqüentemente é encontrada em
paramentos litúrgicos. Por ser uma cor ambígua, passa tanto
a tristeza quanto a alegria, e pode ser representada como
uma cor que une a intuição com a razão.
•  A VELA
A chama acesa da vela é um símbolo da individuação, da vida,
e também dos anos representados em festas de aniversários. Também as
velas que ardem ao pé de um defunto simbolizam a luz da “alma” em sua
força ascensional, a pureza da chama espiritual que sobe para o céu, a
perenidade da vida pessoal que chega ao seu ponto mais elevado na
abóbada celeste.
•  A SIMBOLOGIA DA FOICE OU ALFANJE
É geralmente empunhada por uma personificação da morte.
Comum entre os druidas de cultura celta, era usada para colheita e rituais
druídicos. Sua simbologia é atribuída ao tempo, à morte e à colheita. No
baralho cigano, é a décima carta, seu nome é: “foice/transformação”. Sua
tradução é “algo que está passando por uma transformação, reavaliação,
reformulação”, objetivando algo melhor.
Atributo de Saturno, de Crono. Na qualidade de senhor da vida
e da morte, Shiva segura um lenço e uma foice nas mãos. Segundo a
Bíblia, a foice é a imagem do juízo final divino (Jo 14,13; Ap 14,15). A
foice cruzada com um martelo é o símbolo do comunismo.
Tanatologia.pmd 17 25/03/2008, 12:3518 Tanatologia: vida e finitude
•  A MORTE E A CRUZ
Em geral, o papel da cruz é visto como uma ponte por meio da
qual a alma pode chegar a Deus, ou seja, como ligação do mundo terrestre com o celestial. Existem vários tipos de cruzes e cada uma tem um
significado envolvido com a morte. Nos dias atuais, elas são usadas como
símbolo que representa a iluminação do ser.
Cruz Cristã
É a mais conhecida, devido à cultura cristã. Era utilizada em
Roma para crucificar criminosos. Por isso, remete ao sacrifício de Jesus para pagar os pecados da Humanidade. Representa a Vida Eterna e a Ressurreição. Um símbolo que lembra de Cristo ou alguém próximo que faleceu.
Simples
Alguns estudiosos definem como cruz grega. Ela é o símbolo
perfeito da união dos opostos.
Calvário
É erguido sobre três degraus, e é relacionado com a subida
de Cristo até ao Calvário para ser crucificado. Exalta a fé,
a esperança e o amor.
Santo André
Representa a humildade, o sofrimento. Segundo estudos,
recebeu esse nome devido a Santo André, que implorou aos
seus algozes para não ser crucificado como o seu Senhor,
não se achava merecedor, então foi crucificado nessa forma.
• VAMPIRISMO E MORCEGOS
Na Idade Média, os morcegos eram figuras associadas com bruxas
e demônios. Essa relação é feita principalmente porque é um animal pouco
visto durante o dia. Segundo a crença, são seres anunciadores da  morte.
Tanatologia.pmd 18 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 19
Existem registros de lenda sobre o vampirismo desde 125 d.C.
As primeiras histórias aparecem na mitologia grega. A origem da palavra
vem de Upir, da qual se derivou a palavra vampiro – Upir Lichy, era o
termo original que significa vampiro maldoso. Este vampiro maldoso
surgiu no leste da Europa e se expandiu por meio de caravanas até ser
incorporado às histórias famosas como as do Conde Drácula ou do Príncipe Vlad.
Existem várias versões para as lendas dos vampiros, sendo que a
mais conhecida é de uma pessoa amaldiçoada – supõe-se que ela viverá
a eternidade junto à Humanidade, mas sem alma, ou seja, um morto-vivo.
O sangue mortal seria sua alimentação, condição primordial para manter
seu corpo em estado de perfeição. Em algumas histórias, o faminto por
sangue se transforma em morcego e sai a sobrevoar durante a noite para
saciar sua sede, transformando suas vítimas em outros vampiros.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA CONSULTADA
LURKER, Manfred.  Dicionário da Simbologia. Tradução de Mario Krausr e Vera
Barkow. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997,  p. 275, 454-459.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain.  Dicionário de símbolos: mitos, sonhos,
costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Tradução de Vera da Costa e
Silva, R. de Sá Barbosa, A. Melim e L. Melim. Rio de Janeiro: Editora José
Olímpio, 2002, p. 933-934.
REVISTAS
CARDILHO, Anna Maria R. PCNE, o professor criativo na escola. Ano III, nº 8, abril/
maio/junho. Editora Didática Paulista, p. 16.
Tanatologia.pmd 19 25/03/2008, 12:3520 Tanatologia: vida e finitude
1.2 O velho: ser biológico, ser biográfico
A consideração da velhice como fenômeno natural apoiado em
bases biológicas tem sustentação historicamente localizável entre os séculos
XVIII e XIX, com a Teoria de Darwin.
A existência humana, representada como desenvolvimento vital,
é o aval para a divisão do ciclo de vida, onde a velhice, tendo realizado
seu potencial evolutivo, liga-se a uma fase de decadência. No interior do
discurso da Medicina, a velhice não diz respeito somente aos efeitos
deletérios da passagem do tempo sobre o corpo (às vezes circunscritos à
involução cerebral), mas à promessa de seu adiamento na via da ilusão de
uma “juventude eterna”.
Já no terreno social, procedeu-se, nos últimos anos, a uma renovação da idéia de velhice, que passou a se apoiar em ideais expressos em
termos de uma “velhice saudável, ativa, feliz, com qualidade de vida”.
No campo das práticas prevalece a profusão de enunciados pedagógicos que, visando uma melhor adaptação às chamadas perdas da
velhice, acabam por ressaltá-las. Aprisionando o sujeito em ideais, também supõem um caminho generalizável, onde a singularidade de seu desejo
não comparece. Aos velhos doentes, cansados, em sofrimento, muitas
vezes resta a resposta “é da velhice [...]” que faz calar a diferença. Encontramos, neste breve recorte, ressonâncias do discurso do mestre que,
operando pela sugestão, recalca a subjetividade e promove uma visão
universalizante e normativa.
5
Entender o paciente enquanto  ser biológico é perceber suas capacidades e limitações físicas. No entanto, ao se adotar uma abordagem
holística sobre este mesmo paciente, o profissional da Saúde passa então
a visualizar este paciente enquanto  ser biográfico, ou seja, entende que o
paciente tem uma história, uma vida, um  background cultural, familiar,
social e profissional que merece ser considerado durante seus momentos
de finitude.
5 JORGE, M. A. C. Discurso e liame social: apontamentos sobre a teoria lacaniana dos
quatro discursos.  In:  Saber, verdade e gozo: leituras de O Seminário,  livro 17 de Jacques
Lacan. Rinaldi, D.; Jorge, M.A.C. (Org.). Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2002.
Tanatologia.pmd 20 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 21
Mas para isso é preciso que o médico – ou qualquer outro
profissional que atue diretamente com o paciente, seja ele enfermeiro,
fisioterapeuta, etc. – compreenda a magnitude do processo de desenvolvimento humano.
1.2.1 O  envelhecimento biológico
Doutor Euler Ribeiro, M.D., Ph.D.
6
O mundo todo convive hoje em dia com um estoque cada vez
maior de pessoas acima de 60 anos. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) estabeleceu que – para fins burocráticos – nos países do Primeiro
Mundo são considerados idosos os indivíduos acima de 65 anos. Porém,
nos países em desenvolvimento esta idade limite é de 60 anos.
Nos meados do século passado, a expectativa de vida do povo
brasileiro ficava em torno de 39 anos. Em menos de 50 anos, esta expectativa dobrou e atualmente fica em torno de 70 anos. Esta situação é bem
diferente do que acontece nos países do Primeiro Mundo, os quais demoraram 100 anos para dobrar esta mesma expectativa de vida. Vale ainda
ressaltar que a população de idosos passou de menos de 4% da população
global para um índice próximo de 10%.
O que está previsto para os próximos 20 anos é que a população
de idosos no Brasil possa chegar a 14% do total. Hoje temos, em média,
17 milhões de pessoas acima de 60 anos e, provavelmente em 2020,
seremos mais de 25 milhões. Este fenômeno traz uma preocupação social
muito intensa porque a cada dia entra um menor contingente de cidadãos
contribuintes no sistema previdenciário ao mesmo tempo em que aumenta em progressão geométrica aquele grupo dos que vão auferir benefícios
da Previdência Social. Se não existirem contribuintes suficientes para
fazer face às despesas com aqueles que têm direito a benefícios, com
certeza teremos dificuldades sérias em futuro próximo com as questões
das aposentadorias.
6 RIBEIRO, Euler Esteves.  Viver 100 anos: dicas para envelhecer com sucesso. Manaus:
Editora do Governo do Estado do Amazonas, 2005.
Tanatologia.pmd 21 25/03/2008, 12:3522 Tanatologia: vida e finitude
Este envelhecimento populacional se deve a vários fatores bem
definidos, tais como a queda da mortalidade prematura, o declínio da
mortalidade infantil, os avanços na Medicina moderna e melhorias sanitárias, além das mudanças nas políticas públicas voltadas para a Saúde.
Com estas noções da epidemiologia do envelhecimento do povo
brasileiro, gostaria de chamar a atenção para um “mito”: ser “velho” não
é igual a ser “doente”!
O que acontece é que com o envelhecimento o homem vai
perdendo as funções, e a isto denominamos de “envelhecimento biológico”
ou “senescência”.
CHAMAMOS A ATENÇÃO MAIS UMA VEZ PARA QUE ESTE
FENÔMENO NÃO SEJA CONFUNDIDO COM DOENÇA!
Existe uma classificação para os idosos:
• idosos jovens – de 65 a 74 anos;
• idosos velhos – de 75 a 84 anos;
• idosos muito velhos – de 85 anos e mais.
Portanto, o envelhecimento tem como definição: “fenômeno caracterizado pela perda progressiva da reserva funcional, que torna o indivíduo mais propenso a ter doenças e aumenta as suas chances de morte”.
Existem várias teorias a respeito do envelhecimento, e as principais são:
• Teorias dos Radicais Livres;
• Teoria do Acúmulo de Mutações;
• Teoria da Morte Celular Programada;
• Teoria da Falta de Reparo nos Defeitos do DNA;
• Teoria do Encurtamento dos Telômeros.
O que os cientistas têm mostrado por meio de pesquisas é que
as células dos seres vivos vêm com uma programação de sobrevida. Quando
se exaure a capacidade de se replicar, a célula reconhece a sua exaustão
e se suicida, o que leva o nome de “apoptose celular”.
Tanatologia.pmd 22 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 23
Os pesquisadores estão trabalhando exatamente em cima destes
pontos, tentando fazer intervenções no processo de morte celular programada e verificando a possibilidade de retardar o encurtamento dos
telômeros do DNA quando estes sofrem encurtamento no processo de
replicagem celular.
Já existem moscas das frutas (drosófilas) que vivem normalmente
16 dias e com intervenções a este nível passam a viver 40 dias. Assim, os
seres humanos também irão ter a mesma oportunidade em um futuro muito
próximo, uma vez sofrendo intervenções, de viver 150 e até 200 anos.
Vamos agora mostrar as modificações gerais que o envelhecimento causa nos seres vivos. Trataremos das modificações das gorduras, massa
tecidual magra, ossos, água intracelular, água extracelular e dos órgãos de
uma maneira geral.
TABELA 1  Composição corporal conforme a idade
25 anos   Å                     Æ  75 anos
15% gorduras 30%
17% massa magra 12%
6% ossos 5%
42% água int. cel. 33%
20% água ext. cel. 20%
25 anos   Å                     Æ  75 anos
Fonte: Goldman, 1970
COM RELAÇÃO AO DESCONTROLE DA TEMPERATURA
Hipotermia
• Diminuição da sensação de frio
• Diminuição da resposta vaso constritora ao frio
• Diminuição da resposta ao calafrio
• Diminuição da termogênese
Hipertermia
• Elevação do limiar central da temperatura
Tanatologia.pmd 23 25/03/2008, 12:3524 Tanatologia: vida e finitude
• Diminuição da capacidade de perceber calor
• Diminuição da sudorese
• Diminuição da reserva cardiovascular
MODIFICAÇÕES SISTÊMICAS
Pele
• Alterações do colágeno
• Alterações das fibras elásticas
• Alterações dos melanócitos
Pêlos e unhas
• Calvície
• Canice
• Buço
• Crescimento lento
• Formas irregulares
• Onicogrifose
Ossos, articulações e músculos
• Redução do osso compacto e trabecular
• Crânio soldado
• Desgaste da mandíbula e maxilar
• Anquilose costocondral
• Diminuição dos discos vertebrais
• Atrofia muscular
Sistema nervoso
• Diminuição da massa encefálica
• Deposição de proteína BETA AMILÓIDE
• Deposição de proteína TAU
• Diminuição da memória para fatos recentes
• Evocação complicada
• Neurotransmissores diminuídos
• Redução total do sono não-REM
Tanatologia.pmd 24 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 25
Órgãos dos sentidos
• Presbiacusia
• Hiperpigmentação das pálpebras
• Ptose palpebral
• Presbiopia
• Receptores olfatórios diminuídos
• Receptores gustatórios atrofiados
Sistema cardiovascular
• Artérias enrijecidas e tortuosas
• Peso do coração aumentado
• Hipertrofia ventricular
• Pericárdio e endocárdio espessados
• Válvulas aórticas e mitral degeneradas
• Estenose e insuficiência valvar
• Degeneração do sistema de condução
• Redução da capacidade funcional
• Aumento da pressão sistólica
Sistema respiratório
• Enrijecimento das cartilagens da traquéia
• Elasticidade pulmonar diminuída
• Dilatação alveolar e formação de cistos
• Complacência diminuída
• Aumento do volume residual
• CPT não modifica
• CV diminui
• Relação ventilação–perfusão alterada
• PAO2 diminuído
• PACO2 normal
• Eficácia da tosse diminuída
Sistema digestivo
• Perda gradual dos dentes
• Dificuldades de mastigação
Tanatologia.pmd 25 25/03/2008, 12:3526 Tanatologia: vida e finitude
• Nutrição prejudicada
• Mucosa vulnerável aos agentes infecciosos
• Glossodínia
• Diminuição das células secretoras
• Motilidade comprometida
• Discenesia biliar
• Fígado diminuído
• Aparecimento de divertículo
Sistema urinário
• Diminuição do tamanho do rim
• Diminuição do número de glomérulos
• Alterações das frações de ejeção
• Alterações da filtração glomerular
• Alteração da depuração da creatinina
• Diminuição na síntese da aldosterona
• Aumento do hormônio antidiurético
Sistema endócrino
• Atrofia das glândulas: tiróide, hipófise
• Paratireóides, supra-renais
• Diminuição da testosterona e estrógenos
• Aumento da produção dos hormônios FSH-LH
• Aumento da resistência à insulina
• Diminuição da tolerância à glicose
Sistema genital
• Atrofia ovariana
• Esterilidade após a menopausa
• Flacidez mamária
• Vagina diminui em comprimento e largura
• Mucosas atrofiadas e ressecadas
• Ptose uterina
• Diminuição do pênis
• Aumento da bolsa escrotal
Tanatologia.pmd 26 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 27
• Atrofia testicular
• Diminuição da libido
Assim, com todas estas disfunções, os idosos ficam mais susceptíveis às doenças e o risco de morte se acentua.
1.3 Relacionamento entre o profissional da Saúde e o idoso
No site oficial da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), na seção destinada ao Núcleo Interinstitucional de Bioética, é
possível encontrar diversos e valiosos escritos dos renomados Professores
José Roberto Goldim e Carlos Fernando Francisconi, os quais, com excelência, apresentam um material de altíssimo nível sobre o tema. Estes
estudiosos, ao descreverem os modelos existentes da relação médico–
paciente, usam como referência os ensinamentos do Professor Roberto
Veatch, do Instituto Kennedy de Ética da Universidade de Georgetown
(Estados Unidos), o qual propôs, em 1972, que basicamente existem
quatro modelos de relação médico-paciente, como segue:
Modelo Sacerdotal
É o mais tradicional, pois se baseia na tradição hipocrática.
Neste modelo, o médico assume uma postura paternalista com relação ao
paciente. Em nome da Beneficência, a decisão tomada pelo médico não
leva em conta os desejos, crenças ou opiniões do paciente. O médico
exerce não só a sua autoridade, mas também o poder na relação com o
paciente. O processo de tomada de decisão é de baixo envolvimento,
baseando-se em uma relação de dominação por parte do médico e de
submissão por parte do paciente.
Em função deste modelo e de uma compreensão equivocada da
origem da palavra “paciente”, este termo passou a ser utilizado com
conotação de passividade. A palavra paciente tem origem grega, significando “aquele que sofre”.
Modelo Engenheiro
Ao contrário do Sacerdotal, coloca todo o poder de decisão no
paciente. O médico assume o papel de repassador de informações e
Tanatologia.pmd 27 25/03/2008, 12:3528 Tanatologia: vida e finitude
executor da ações propostas pelo paciente. O médico preserva apenas a
sua autoridade, abrindo mão do poder, que é exercido pelo paciente. É
um modelo de tomada de decisão de baixo envolvimento que se caracteriza mais pela atitude de acomodação do médico do que pela dominação
ou imposição do paciente. O paciente é visto como um cliente que
demanda uma prestação de serviços médicos.
Modelo Colegial
Não diferencia os papéis do médico e do paciente no contexto
da sua relação. O processo de tomada de decisão é de alto envolvimento.
Não existe a caracterização da autoridade do médico como profissional,
e o poder é compartilhado de forma igualitária. A maior restrição a este
modelo é a perda da finalidade da relação médico–paciente, equiparandoa a uma simples relação entre indivíduos iguais.
Modelo Contratualista
Estabelece que o médico preserva a sua autoridade enquanto
detentor de conhecimentos e habilidades específicas, assumindo a responsabilidade pela tomada de decisões técnicas. O paciente também participa
ativamente no processo de tomada de decisões, exercendo seu poder de
acordo com o  estilo de vida e  valores morais e pessoais. O processo ocorre
em um clima de efetiva troca de informações e a tomada de decisão pode
ser de médio ou alto envolvimento, tendo por base o compromisso estabelecido entre as partes envolvidas.
Este último modelo, entendido por muitos como sendo o ideal da
relação médico–paciente, estabelece a preservação da autoridade do mé-
dico em relação ao paciente em virtude de suas qualidades técnicas e de
conhecimento, mas condiciona o exercício de tal autoridade a uma íntima
relação de confiança entre paciente e médico e a uma troca de informa-
ções recíproca e necessária ao estabelecimento da verdadeira relação de
afeição, credibilidade e confiança a se formar entre as partes.
Além da descrição dos modelos sugeridos pelo Professor Roberto
Veatch, a fim de caracterizar a relação médico–paciente é necessário que
se faça ainda uma rápida análise dos princípios da Bioética, também
chamados de deveres  prima facie dos indivíduos, quais sejam:
Tanatologia.pmd 28 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 29
Princípio da Autonomia
Tal princípio vem sendo estudado ao longo da história, tendo
recebido diferentes denominações e teorias acerca de sua caracterização
e conceituação. Abaixo se apresentam algumas definições destes princípios encontradas na literatura.
• John Stuart Mill:
7
 propôs que “sobre si mesmo, sobre seu
corpo e sua mente, o indivíduo é soberano”.
• Benjamim Cardozo
8
 (juiz dos Estados Unidos): sentenciou,
em 1914, no Caso Schloendorff, que “todo ser humano de
idade adulta e com plena consciência tem o direito de decidir
o que pode ser feito no seu próprio corpo”.
• Kant: com o seu Imperativo Categórico, propôs que a autonomia não é incondicional, mas passa por um critério de
universalidade, ou seja, ela é para si mesma uma lei – independentemente de como forem constituídos os objetos do
querer.
O  Relatório Belmont,
9
 que estabeleceu as bases para a adequação
ética da pesquisa nos Estados Unidos, denominava este princípio como
Princípio do Respeito às Pessoas. Nesta perspectiva propunha que a
7 John Stuart Mill (1806–1873), filósofo liberal britânico. Sua obra mais conhecida,  On
Liberty (1853), é a Bíblia do Eu (idéia coincidentemente ressuscitada nas décadas de
1960 e 1970 quando da rebelião dos jovens e a entronização das drogas como opção
de vida). Além de defender a liberdade política contra as tiranias, Stuart Mill foi mais
longe, defendendo a “liberdade social” contra a tirania das maiorias e das convenções.
Não foi o criador do utilitarismo (criação de Jeremy Bentham, 1748–1832), mas o seu
principal apóstolo, advogando a supremacia do prazer e o princípio de que as boas ações
são medidas pelo número de beneficiários.
8 A sentença considerada marco histórico neste processo foi dada no ano de 1914 pelo
Juiz Benjamin Cardozo no caso “Schloendorf versus Society of New York Hospital”.
Nesse caso, “o médico retirou um fibroma depois que o paciente havia consentido a um
exame abdominal sob anestesia, mas havia especificado ao médico que não autorizava
cirurgia. Curiosamente, o tribunal não considerou o caso uma violação do direito ao
consentimento esclarecido, nem fez qualquer declaração sobre a informação necessária ao
paciente para ele exercer seu direito à autodeterminação. Ainda assim, a sentença do Juiz
Cardozo é largamente citada na literatura sobre consentimento esclarecido”. (FADEN &
BEAUCHAMP,  1986:123) .
9 Os chamados princípios da Bioética foram formulados pela primeira vez em 1978,
quando a “Comissão norte-americana para a proteção da pessoa humana na pesquisa
Tanatologia.pmd 29 25/03/2008, 12:3530 Tanatologia: vida e finitude
autonomia incorpora pelo menos duas convicções éticas: a primeira, que
os indivíduos devem ser tratados como  agentes autônomos, e a segunda,
que as  pessoas com autonomia diminuída devem ser protegidas. Desta
forma, divide-se em duas exigências morais separadas: a exigência do
reconhecimento da autonomia e a exigência de proteger aqueles com
autonomia reduzida (incapazes, loucos, presos, etc.).
O Professor José Roberto Goldim10
 afirma que virtualmente todas as teorias concordam que duas condições são essenciais à autonomia:
liberdade (independência do controle de influências) e  capacidade de ação
intencional. E conclui dizendo que:
O Princípio da Autonomia não pode mais ser entendido apenas
como sendo a autodeterminação de um indivíduo, pois esta é
apenas uma de suas várias possíveis leituras. A inclusão do outro na
questão da autonomia trouxe, desde o pensamento de Kant, uma
nova perspectiva que alia a ação individual com o componente
social. Desta perspectiva surge a responsabilidade pelo respeito à
pessoa, que talvez seja a melhor denominação para este princípio.
(GOLDIM, 2000)
Tal princípio, na relação médico–paciente, é extremamente relevante na medida em que o médico deve ter em mente que somente pode
biomédica e comportamental” apresentou no final dos seus trabalhos o chamado  Relatório
Belmont; este texto respondia àquelas exigências, acima referidas, vindas da comunidade
científica e da sociedade, no sentido de que se fixassem princípios éticos a serem
obedecidos no desenvolvimento das pesquisas e que deveriam ser considerados quando
da aplicação de recursos públicos nessas atividades científicas. O  Relatório Belmont
estabeleceu os três princípios fundamentais da Bioética, em torno dos quais toda a
evolução posterior dessa nova área do conhecimento filosófico iria se desenvolver: o
princípio da beneficência, o princípio da autonomia e o princípio da justiça, chamado
por alguns autores de princípio da eqüidade (LEPARGNEUR, 1996). As normas
biojurídicas promulgadas desde então em países pioneiros na legislação do Biodireito,
como a Grã-Bretanha, Austrália e França, tiveram como referencial último esses princípios
estabelecidos pelo Relatório Belmont. O exame desses princípios permite que se tenha uma
idéia, no entanto, de suas limitações como princípios fundadores de uma Ética e de um
Biodireito na sociedade pluralista e democrática.
10 Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/relido.htm>.
Tanatologia.pmd 30 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 31
manipular, drogar, receitar, conduzir, etc., seus pacientes se eles de fato
estiverem aptos e cientes de aceitar tais procedimentos e atitudes. Neste
sentido, o Princípio da Autonomia faz com que tanto médico quanto
paciente desenvolvam, de maneira eficaz e confiável, diálogos e entendimentos capazes de dar à relação profissional uma forma respeitosa e
aceitável ponto de vista médico, social e ético.
Princípio da Beneficência
O Princípio da Beneficência tem duas importantes funções e
regras: não causar o mal e maximizar os benefícios possíveis e minimizar
os danos possíveis. Na relação médico–paciente, este princípio é de
observância contínua e irrestrita, haja vista que o paciente, ao procurar
o profissional da área de Saúde, busca a cura para o seu mal, e o
profissional, por sua vez,  tentará empreender todos os esforços para não
agravar o mal do paciente e para curá-lo da doença que o aflige. Assim,
entende-se que este princípio estabelece a obrigação moral de agir em
benefício dos outros, porém é importante não confundir a Beneficência
com a Benevolência, esta última entendida como a virtude de se dispor
a agir em benefício dos outros. A Beneficência no contexto médico é o
dever de agir no interesse do paciente, a fim de proporcionar-lhe o maior
conforto possível ou o menor sofrimento, ou ambos, ao seu mal, sempre
com vistas aos demais princípios bioéticos.
Princípio da Não-Maleficência
Este princípio é o mais controverso de todos, pois diversos autores o entendem como parte do conceito do Princípio da Beneficência,
justificando tal posição por acreditarem que, ao evitar o dano intencional,
o indivíduo já está, na realidade, visando ao bem do outro.
Já por volta do ano 430 a.C., Hipócrates propôs aos médicos, no
Parágrafo 12 do primeiro livro da sua obra  Epidemia: “Pratique duas
coisas ao lidar com as doenças; auxilie ou não prejudique o paciente”.
O Princípio da Não-Maleficência propõe a obrigação de não
infligir dano intencional, derivando da máxima da Ética médica “Primum
non nocere”. Assim, percebe-se que o Juramento Hipocrático insere
obrigações de Não-Maleficência e de Beneficência: “Usarei meu poder
Tanatologia.pmd 31 25/03/2008, 12:3532 Tanatologia: vida e finitude
para ajudar os doentes com o melhor de minha habilidade e julgamento; abster-me-ei de causar danos ou de enganar a qualquer homem com ele”.
Portanto, o Princípio da Não-Maleficência, na relação médico–
paciente, é aquele pelo qual o médico deve evitar produzir intencionalmente danos ou malefícios aos seus pacientes, tratando-os como gostaria
de ser tratado.
Princípio da Privacidade
De acordo com os ensinamentos do Professor Goldim (2000),
“privacidade é a limitação do acesso às informações de uma dada pessoa,
ao acesso à própria pessoa, a sua intimidade, envolvendo as questões de
anonimato, sigilo, afastamento ou solidão. É a liberdade que o paciente
tem de não ser observado sem autorização”.
A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu
Artigo XII, estabelece que: “Ninguém será sujeito a interferências na sua
vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem
a ataques a sua honra e reputação”.
Tal princípio, na relação médico-paciente, é visto com reserva,
pois obviamente o médico deve se abster de repassar as informações
clínicas de seus pacientes para qualquer pessoa, bem como deve evitar a
exposição pública de um caso particular levado ao seu conhecimento pelo
simples fato que existe nesta relação uma confiança muito grande dos
pacientes no sigilo médico.
Desta forma, conclui-se que a base da relação entre médico e
paciente, além dos princípios éticos anteriormente descritos, funda-se em
um relacionamento de  confiança, credibilidade  e de intimidade que não
permite a exposição da situação médica do paciente para pessoas não
envolvidas com o seu tratamento.
1.3.1 Relação profissional paciente–idoso
Uma mulher de 82 anos adentrou o consultório do Dr. Mayerovitz.
“Doutor”, disse ela sofregamente, “não estou me sentindo bem”.
“Sinto muito, Sra. Kupnik. Algumas coisas a medicina mais avançada
Tanatologia.pmd 32 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 33
pode curar. Eu não tenho como torná-la mais jovem, a senhora
compreende.”
Ela respondeu de imediato: “Doutor, quem foi que lhe pediu para
fazer-me mais jovem? Tudo o que quero é que possa me fazer mais
velha!”. (BONDER, 1995)
11
A fidelidade é o dever de lealdade e compromisso do terapeuta
para com o paciente e serve de base para o relacionamento entre ambos.
A veracidade, isto é, a utilização verdadeira e honesta das informações,
é um dever  prima facie do terapeuta e base desta fidelidade.
Muitas vezes, até mesmo por pressão das famílias, surge o dilema
de dizer ou não a verdade ao pacientes idoso, com o objetivo de preservá-
lo do impacto e da ansiedade. Na realidade, o dilema não é revelar ou
não a verdade, mas sim qual a forma mais adequada de comunicá-la.
Como escolher a maneira viável que possa causar o menor dano e impacto possíveis. Existem inúmeros estudos e propostas de como comunicar
“más notícias” aos pacientes e suas famílias . Esta é uma habilidade que
também pode e deve ser desenvolvida, e não negada, pelos profissionais
de Saúde. A não revelação da verdade pode impedir o paciente de tomar
decisões importantes sobre o seu tratamento e sua vida pessoal. Da mesma
forma, impede o paciente e  família de se prepararem para eventos prováveis, inclusive a morte.
O paciente também tem o direito de “não saber” isto é, o direito
de não ser informado, caso manifeste expressamente esta sua vontade. O
profissional de Saúde tem que reconhecer claramente quando esta situação
ocorre e buscar esclarecer com o paciente as suas conseqüências. O
paciente deve ser consultado formalmente se esta é realmente a sua decisão. Após isto, a sua vontade deve ser respeitada.
Nesta situação, deve ser solicitado que ele, ou ela, indique uma
pessoa de sua confiança para que seja o interlocutor do profissional com
a família. O próprio paciente, quando possível, deve comunicar a sua
família sobre estas suas decisões.
1 1 BONDER, N.  O segredo judaico de resolução de problemas. 9 ed. Rio de Janeiro:
Imago, 1995.
Tanatologia.pmd 33 25/03/2008, 12:3534 Tanatologia: vida e finitude
Outros importantes aspectos da relação profisional–paciente são
a  privacidade e a  confidencialidade. A privacidade é a limitação do acesso
às informações de uma dada pessoa, ao acesso à própria pessoa, a sua
intimidade, anonimato, sigilo, afastamento ou solidão. É a liberdade que
e s t a   p e s s o a   t em  d e   n ã o   s e r   o b s e r v a d a   s em  a   s u a   a u t o r i z a ç ã o .   A
confidencialidade, por sua vez, é a garantia do resguardo das informações
dadas em confiança e a proteção contra a sua revelação não autorizada .
As quebras de privacidade ou de confidencialidade podem ocorrer na relação do profissional com terceiros, tais como com a família,
cuidadores ou empresas seguradoras. Em todas estas relações deve ficar
claro que a fidelidade do profissional é para com o paciente. A este cabe
a decisão de quais dados devem ser revelados ou não. É extremamente
importante que este compromisso seja preservado, mesmo quando o
paciente esteja em estado de inconsciência e até mesmo após a sua morte.
O princípio que deve nortear a liberação de informações é o da
necessidade de ter que tipo de informações para tomar decisões ou desempenhar adequadamente sua tarefa, nada além disto.
Muitas vezes, só por que o paciente é um velho, todos se acham
no direito de ter acesso a todas as informações. Os cuidadores, não
vinculados à família, são informados pelos próprios familiares de detalhes
que não se justificam, configurando situações de exposição indevida da
privacidade destas pessoas.
O ponto mais importante na relação profissional–paciente idoso
talvez seja reconhecer que, mesmo em situações nas quais existam comprometimentos, esta pessoa tem o direito de ser reconhecida como tal.
Mesmo em situações de muito comprometimento físico ou mental, as
pessoas não perdem a sua dignidade, esta é uma característica inerente ao
ser humano. O paciente não pode ser desqualificado, deixando de ser
informado, deixando de ser ouvido.
Muitas vezes um familiar, ou outro cuidador, assume o papel de
interlocutor com  o profissional, interpretando e relatando  sentimentos e
sensações que só a própria pessoa é capaz de sentir, alijando o velho do
diálogo e desqualificando a expressão de suas necessidades e vontades.
O profissional que atende a um idoso deve sempre buscar a
preservação do vínculo com o seu paciente. Este vínculo deve manter a
perspectiva da integralidade da sua pessoa.
Tanatologia.pmd 34 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 35
1.3.2 Dever  prima facie
Professor José Roberto Goldim
12
Este conceito foi proposto por Sir David Ross em 1930. Ele
propunha que não há, nem pode haver, regras sem exceção. O dever
prima facie é uma obrigação que se deve cumprir, a menos que ela entre
em conflito numa situação particular com um outro dever de igual ou
maior porte.
Um dever prima facie é obrigatório, salvo quando for sobrepujado
por outras obrigações morais simultâneas. Esta proposta já havia sido
utilizada pelo Tribunal Constitucional Alemão.
Bellino (1997) denomina os deveres prima facie de deveres penúltimos. Cattorini (1993) propôs que os deveres  prima facie são válidos,
geralmente, de maneira relativa. Quando ocorre um conflito entre deveres
deve ser tomada a decisão de qual deve ser tomado como prioritário nesta
circunstância. Cada dever tem de ser cotejado com os demais e, dentro
da complexidade inerente ao sistema, analisado em conjunto para evitar
conflitos de ações e efeitos indesejados.
A melhor denominação talvez seja a de  deveres priorizáveis, isto
é, deveres que, quando comparados entre si, podem ser priorizados de
acordo com a circunstâncias.
S e gundo  Ro s s   (1930) ,   o s  de v e r em  p r ima   f a c i e podi am  s e r
categorizados como:
1. Deveres para com os outros devido a atos prévios de você
mesmo
• Fidelidade (manter as promessas...)
• Reparação (compensar as pessoas por danos ou lesões causadas)
• Gratidão (agradecer às pessoas pelos benefícios que conferiram a você)
2. Deveres para com os outros não baseados em ações prévias
• Beneficência (ajudar aos outros em necessidade)
12 Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/primafd.htm>.
Tanatologia.pmd 35 25/03/2008, 12:3536 Tanatologia: vida e finitude
• Não-Maleficência (não causar danos a outros sem uma razão
poderosa)
• Justiça (tratar os outros de forma justa)
3. Deveres para consigo mesmo
• Aprimorar-se física, intelectual e moralmente para alcançar o
seu pleno potencial
1.3.3 Comunicação de más notícias
Psicóloga Adriana Pacheco Pires
13
Serviço de Psicologia/HCPA e Núcleo Interinstitucional de Bioética
Um aspecto fundamental para o estabelecimento de uma boa
relação médico–paciente é a troca de informações. Cada vez mais os
pacientes querem se encarregar de decisões sobre seu tratamento e buscam nos médicos seus conselheiros, confiando para que forneçam as
informações necessárias para tomarem suas decisões. De acordo com
Davis (citado por CÓLON, 1995), o melhor caminho para uma relação
de confiança é o médico ser a linha de frente no que diz respeito ao
diagnóstico e prognóstico, e isto define o futuro da relação.
No entanto, o diagnóstico de uma doença grave que envolve risco
de morte, incapacidade e outras perdas, provoca sentimentos intensos e
dolorosos. E, apesar de ser uma tarefa praticamente inevitável para o
médico, dar más notícias a um paciente ou familiar continua sendo uma
parte difícil e especial do trabalho do profissional de Saúde.
Má notícia tem sido definida como qualquer informação que
envolva uma mudança drástica na perspectiva de futuro em um sentido
negativo (BUCKMAN, 1992; PTACKET, TARA & EBERHARDT, 1993,
MIRANDA & BRODY, 1992).
Entre as dificuldades dos médicos em dar más notícias, encontramos o medo de ser considerado culpado, o medo da falha terapêutica
ou da sensação de impotência e de fracasso. Em relação ao paciente,
encontramos o medo de causar dor e de desencadear uma reação. Há
13 Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/masnot.htm>.
Tanatologia.pmd 36 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 37
também a preocupação com os aspectos legais e com a hierarquia. O
médico teme por estar realizando uma tarefa para a qual não foi treinado,
teme dizer “eu não sei” e expressar suas emoções. Como uma dificuldade
ainda maior, aparece o medo pessoal da doença e da morte. As ansiedades
e os medos dos médicos tornam difícil iniciar a conversação, e levam o
médico a se sentir responsável pela doença (BUCKMAN, 1984, 1992).
A relação médico–paciente pode apresentar três tipos básicos:
• ser rápida e insensível;
• ser grave e solene;
• ser compreensiva e genuína.
Sem dúvida alguma, a relação compreensiva e genuína é a mais
adequada a estas situações nas quais o paciente terá o impacto de uma
notícia ruim ou triste.
Por ser uma tarefa fundamental, com todas as dificuldades já
descritas, Buckman (1992) propõe um protocolo de seis etapas de como
dar más notícias:
• começar adequadamente, o que envolve o contexto, o setting,
quem deve estar presente, ou seja, o início propriamente
dito, incluindo atitudes cordiais normais;
• descobrir o quanto o paciente sabe sobre sua doença;
• descobrir o quanto o paciente quer saber;
• dividir, compartilhar a informação;
• responder aos sentimentos do paciente;
• planejar e combinar o acompanhamento do paciente.
Diversos autores reforçam a importância de avaliar se o paciente
está pronto para ouvir a notícia, o quanto deseja saber, e só então seguir,
em doses pequenas de informação, respeitando e acompanhando o ritmo
do paciente (BUCKMAN, 1992; CÓLON, 1995; MIRANDA & BRODY,
1992; MAGUIRE & FAULKNER, 1988; QUILL & TOWSEND, 1991).
Em resumo, estes autores estabelecem os princípios da comunicação de más notícias:
• escolher um momento em que o paciente e o médico estejam descansados e tenham um tempo adequado;
Tanatologia.pmd 37 25/03/2008, 12:3538 Tanatologia: vida e finitude
• avaliar o estado emocional e psicológico do paciente no
presente;
• preparar o paciente dizendo que tem um assunto difícil para
discutir com ele;
• usar uma linguagem clara e simples;
• expressar tristeza pela dor do paciente;
• ser humanitário;
• dar informação de forma gradual e programar outro encontro com o paciente mais tarde;
• ser realista evitando a tentação de minimizar o problema,
mas não tirar todas as esperanças;
• verificar como o paciente se sente depois de receber as
notícias;
• reassegurar a continuidade do cuidado, não importando o
que houver;
• assegurar que o paciente tenha suporte emocional de outras
pessoas.
Masmann (citado por CÓLON, 1995) acrescenta que talvez seja
necessário repetir a informação mais de uma vez. Os pacientes tendem a
reconstruir a informação com base em outras que já tinham anteriormente. Esta característica pode atenuar ou agravar as informações recebidas.
Quill e Towsend (1991) referem que os resultados desejados para
os encontros iniciais são:
• minimizar solidão e isolamento;
• alcançar com o paciente uma percepção comum do problema;
• enfocar necessidades básicas de informação, enfocar riscos
médicos imediatos, incluindo risco de suicídio;
• responder imediatamente a desconfortos;
• estabelecer um plano de acompanhamento;
• antecipar o que não foi falado.
Os médicos podem oferecer uma esperança realista que pode
interferir na qualidade de vida do paciente, na dignidade e no conforto
durante a evolução da doença.
Tanatologia.pmd 38 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUCKMAN R. Breaking bad news: why is it still so difficult? British Medical Journal
1984; 288:1597-1599.
____________. How to break bad news: a guide for health care professionals. Baltimore:
The Johns Hopkins University Press, 1992.
COLÓN KM.  Bearing the bad news. Minesota Medicine 1995; 78:10-14.
FALLOWFIELD L.  Giving sad and bad news. Lancet 1993; 341:476-8.
MAGUIRE P, FAULKNER A. Communicate with cancer patients: Handling bad news
and difficult questions. BMJ 1988; 297:907-909.
MIRANDA J. Brody RV.  Communicating bad news. Western Journal of Medicine
1992;156(1):83-85.
PTACEK JT, EBERHARDT TL. Breaking bad news – a review of the literature. JAMA
1996; 276(16):496-502.
QUILL TE, TOWNSEND RN. Bad news: delivery, dialogue, and dilemmas. Arch Intern
Med 1991;151:463-8.
Tanatologia.pmd 39 25/03/2008, 12:3540 Tanatologia: vida e finitude
1.4 Os direitos do paciente idoso
No Brasil, há três idades distintas para definição da pessoa idosa.
A Constituição, para assegurar o direito à gratuidade nos transportes
coletivos urbanos, estabelece que idoso é quem tem mais de 65 anos (CF,
Artigo 230, § 7º). Já a Lei 8.742/93, que organiza a assistência social,
define que idoso, para fins de receber um benefício de um salário mínimo
mensal, é quem tem 70 anos ou mais. Finalmente, a Lei 8.842/94, que
traça a Política Nacional do Idoso, indica sê-lo a pessoa maior de 60 anos.
Já existem estudos que dizem que o número de idosos no Brasil
será de 22 milhões  no ano de 2025, o que representa o dobro do que
havia em 1991. Isso tornará o país o primeiro em população idosa na
América Latina e o sexto no mundo. Isso é preocupante porque o Brasil
é um país com muita pobreza, com muita gente sem nenhuma assistência,
principalmente no Nordeste, uma das regiões menos favorecidas pelo
Governo Federal, tornando ainda mais penoso o envelhecimento e a assistência ao idoso até mesmo no seu próprio lar.
A Constituição de 1988 garante que ninguém pode ser abandonado
quando atingir a velhice. Para reforçar o que está na Constituição, foi
aprovada a Lei 8.842, em 1994, que diz como deve ser tratado o idoso.
O Artigo Primeiro desta lei deixa bem claro que serão criadas as
condições para que as pessoas com mais de 65 anos vivam na sociedade
sem depender de ninguém, e usando de todos os seus direitos. O órgão
responsável para fazer cumprir o que determina essa lei é a Secretaria de
Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência Social. Os
Ministérios da Educação, da Justiça, do Trabalho, e outros, também colaboram com esse trabalho. O Artigo Terceiro desta mesma lei estabelece
o que tem que ser feito para se respeitar os direitos dos idosos, como
vamos ver.
a) A família, a sociedade e o Estado (Governo) têm o dever de
assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo
sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade,
bem-estar e direito à vida;
b) todo  mundo, sem distinção, tem o direito de ficar velho;
c) o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza;
Tanatologia.pmd 40 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 41
d) os Governos (Federal, Estadual e Municipal) têm a obrigação
de dar assistência ao idoso, prestando atenção nas condições
de vida, quem precisa mais, quem mora em lugar distante
ou quem vive de um jeito diferente, respeitando as diferen-
ças de quem mora no campo e dos que moram na cidade.
Essas obrigações que a Lei 8.842 determina ao Governo e
à toda sociedade são chamadas de Política Nacional do Idoso.
Vamos ver o que o Governo é obrigado a fazer para que o idoso
viva com dignidade.
a) Criar condições para que o idoso não seja dependente dos
outros, com a ajuda da família, da sociedade e dos serviços
públicos;
b) garantir ao idoso a assistência à saúde no Sistema Único de
Saúde (SUS);
c) melhorar as condições de estudo para que os idosos possam
aprender com mais facilidade, criando programas próprios
para o idoso, e educar a população para melhor entendimento de como é ficar velho;
d) garantir as condições para que os idosos não sejam discriminados quando procurarem emprego ou quando estiverem
trabalhando, e dar atenção especial quando precisarem ser
atendidos pelos benefícios da Previdência Social;
e) dar condições de que os idosos tenham um lugar para morar
em casas parecidas com o seu lar, e criar as condições para
que os idosos tenham a sua própria casa, mesmo que seja
simples ou popular;
f) oferecer condições de moradia para idosos de acordo com
as suas condições físicas, construindo ou fazendo reforma na
casa para ficar do jeito que for mais fácil para morar, principalmente para quem tem problemas físicos.
A Constituição Federal garante direitos aos idosos.
a) O Artigo 230 diz que a família e o Estado (Governo) têm o
dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua partiTanatologia.pmd 41 25/03/2008, 12:3542 Tanatologia: vida e finitude
cipação na comunidade, defendendo sua dignidade e bemestar e garantindo o direito de viver;
b) o Artigo 229 diz que os filhos maiores têm o dever de ajudar
e amparar os pais na velhice e na pobreza, quando estiverem
precisando ou quando estiverem doentes;
c) o Parágrafo Segundo do Artigo 230 garante que as pessoas com
mais de 65 anos não pagam para andar nos transportes
coletivos nas cidades;
d) a Constituição Federal e o Artigo Primeiro da Lei 1.744 de
1995 e o Artigo 20 da Lei 8.742 de 1993 garantem que os
idosos, pessoas com 60 anos ou mais, que provarem que não
têm condições de se sustentar por conta própria nem pela
família, têm direito a um salário mínimo por mês.
Para ter direito ao salário mínimo mensal, o beneficiário idoso
deverá provar que:
• tem 70 anos de idade ou mais;
• não trabalha recebendo salário;
• que tudo que a família ganha para se sustentar é menor do que
está previsto no Parágrafo Terceiro do Artigo 20 da Lei 8.742
de 1993, conhecida como a Lei Orgânica da Assistência Social.
O ano de 1999 foi declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU) o Ano Internacional do Idoso. E a ONU estimula a aceitação
por todos os governos dos seguintes princípios, que devem orientar as
políticas sobre os idosos:  independência, participação, auto-realização e
dignidade.
O princípio da independência lembra que os idosos devem, eles
próprios, ter acesso à alimentação, água, teto, comida e saúde por seus
próprios meios, e ao apoio familiar e da comunidade. E o ambiente em
que vivem deve ser adaptado a sua realidade para que não precisem
depender diretamente dos outros sempre que precisarem de algo. O princípio da participação estimula a integração do idoso na sociedade, especialmente na hora de decidir sobre medidas que afetem seus interesses.
A auto-realização lembra que os idosos também têm pleno direito de
Tanatologia.pmd 42 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 43
desenvolver seu potencial. O princípio da dignidade recorda que as pessoas idosas devem ser tratadas com justiça e serem valorizadas, independentemente da contribuição econômica que possam dar.
E quando o idoso estiver na condição de paciente?
1.4.1 Direitos do paciente à luz da legislação brasileira
As leis brasileiras asseguram diversos benefícios aos pacientes,
independente do mal que os acometa. Neste sentido, os idosos têm os
mesmos direitos, não podendo sofrer discriminação de qualquer tipo.
As principais bases dos direitos dos pacientes estão na Constitui-
ção da República Federativa do Brasil de 1988, no Código de Ética
Médica, no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em leis federais e estaduais e em portarias do
Ministério da Saúde.
Os principais direitos dos pacientes são:
1) o paciente tem direito a atendimento humano, atencioso e
respeitoso, por parte de todos os profissionais de Saúde.
Tem direito a um local digno e adequado para seu atendimento; 
2) o paciente tem direito a ser identificado pelo nome e sobrenome. Não deve ser chamado pelo nome da doença ou do
agravo à saúde, ou ainda de forma genérica ou quaisquer
outras formas impróprias, desrespeitosas ou preconceituosas;
3) o paciente tem direito a receber do funcionário adequado
presente no local auxílio imediato e oportuno para a melhoria
de seu conforto e bem-estar;
4) o paciente tem direito a identificar o profissional por crachá
preenchido com o nome completo, função e cargo;
5) o paciente tem direito a consultas marcadas, antecipadamente, de forma que o tempo de espera não ultrapasse a 30
(trinta) minutos;
6) o paciente tem direito a exigir que todo o material utilizado
seja rigorosamente esterilizado ou descartável, e manipulado
Tanatologia.pmd 43 25/03/2008, 12:3544 Tanatologia: vida e finitude
segundo normas de higiene e prevenção;
7) o paciente tem direito a receber explicações claras sobre o
exame a que vai ser submetido e com que finalidade irá ser
coletado o material para exame de laboratório;
8) o paciente tem direito a informações claras, simples e compreensivas, adaptadas a sua condição cultural, sobre as ações
diagnósticas e terapêuticas, o que pode decorrer delas, a
duração do tratamento, a localização, a patologia, se existe
necessidade de anestesia, qual o instrumental a ser utilizado
e quais regiões do corpo serão afetadas pelos procedimentos; 
9) o paciente tem direito a ser esclarecido se o tratamento ou
o diagnóstico é experimental ou faz parte de pesquisa, e se
os benefícios a serem obtidos são proporcionais aos riscos,
e se existe probabilidade de alteração das condições de dor,
sofrimento e desenvolvimento da sua patologia;
10) o paciente tem direito a consentir ou se recusar a ser submetido a experimentação ou pesquisas. No caso de impossibilidade de expressar sua vontade, o consentimento deve
ser dado por escrito por seus familiares ou responsáveis; 
11) o paciente tem direito a consentir ou recusar procedimentos,
diagnósticos ou terapêuticas a serem nele realizados. Deve
consentir de forma livre, voluntária, esclarecida com adequada informação. Quando ocorrerem alterações significantes
no estado de saúde inicial ou da causa pela qual o consentimento foi dado, este deverá ser renovado;
12) o paciente tem direito a revogar o consentimento anterior,
a qualquer instante, por decisão livre, consciente e esclarecida,
sem que lhe sejam imputadas sanções morais ou legais;
13) o paciente tem direito a ter seu prontuário médico elaborado
de forma legível e de consultá-lo a qualquer momento. Este
prontuário deve conter o conjunto de documentos padronizados do histórico do paciente, princípio e evolução da doença,
raciocínio clínico, exames, conduta terapêutica e demais relatórios e anotações clínicas; 
Tanatologia.pmd 44 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 45
14) o paciente tem direito a ter seu diagnóstico e tratamento por
escrito, identificado com o nome do profissional de Saúde
e seu registro no respectivo Conselho Profissional, de forma
clara e legível;
15) o paciente tem direito a receber medicamentos básicos, e
também medicamentos e equipamentos de alto custo, que
mantenham a vida e a saúde; 
16) o paciente tem direito a receber os medicamentos acompanhados de bula impressa de forma compreensível e clara e
com data de fabricação e prazo de validade;
17) o paciente tem direito a receber as receitas com o nome
genérico do medicamento (Lei do Genérico) e não em có-
digo, datilografadas ou em letras de forma, ou com caligrafia
perfeitamente legível, e com assinatura e carimbo contendo
o número do registro do respectivo Conselho Profissional; 
18) o paciente tem direito a conhecer a procedência e verificar,
antes de receber sangue ou hemoderivados para a transfusão,
se o mesmo contém carimbo nas bolsas de sangue atestando
as sorologias efetuadas e sua validade;
19) o paciente tem direito, no caso de estar inconsciente, a ter
a n o t a d o   e m   s e u   p r o n t u á r i o ,   m e d i c a ç ã o ,   s a n g u e   o u
hemoderivados, com dados sobre a origem, tipo e prazo de
validade;
20) o paciente tem direito a saber com segurança e antecipadamente, por meio de testes ou exames, que não é diabético,
portador de algum tipo de anemia, ou alérgico a determinado s  medi c ament o s   ( ane s t é s i c o s ,  peni c i l ina ,   sul f a s ,   s o r o
antitetânico, etc.) antes de lhe serem administrados;
21) o paciente tem direito a ter segurança e integridade física
nos estabelecimentos de Saúde, públicos ou privados;
22) o paciente tem direito a ter acesso às contas detalhadas
referentes às despesas de seu tratamento, exames, medica-
ção, internação e outros procedimentos médicos;
23) o paciente tem direito a não sofrer discriminação nos servi-
ços de Saúde por ser portador de qualquer tipo de patologia,
Tanatologia.pmd 45 25/03/2008, 12:3546 Tanatologia: vida e finitude
principalmente no caso de ser portador de HIV/AIDS ou
doenças infecto-contagiosas; 
24) o paciente tem direito a ser resguardado de seus segredos,
pela manutenção do sigilo profissional, desde que não acarrete riscos a terceiros ou à Saúde Pública. Os segredos do
paciente correspondem a tudo aquilo que, mesmo desconhecido pelo próprio cliente, possa o profissional de Saúde ter
acesso e compreender por meio das informações obtidas no
histórico do paciente, exames laboratoriais e radiológicos; 
25) o paciente tem direito a manter sua privacidade para satisfazer
suas necessidades fisiológicas – inclusive alimentação adequada – e higiênicas, quer quando atendido no leito ou no ambiente onde está internado ou aguardando atendimento; 
26) o paciente tem direito a acompanhante, se desejar, tanto nas
consultas como nas internações. As visitas de parentes e
amigos devem ser disciplinadas em horários compatíveis,
desde que não comprometam as atividades médicas/sanitárias. Em caso de parto, a parturiente poderá solicitar a presença do pai; 
27) o paciente tem direito a exigir que a Maternidade, além dos
profissionais comumente necessários, mantenha a presença
de um neonatologista, por ocasião do parto;
28) o paciente tem direito a exigir que a Maternidade realize o
“teste do pezinho” para detectar a fenilcetonúria nos recémnascidos;
29) o paciente tem direito a receber indenização pecuniária em
caso de qualquer complicação em suas condições de saúde
motivada por imprudência, negligência ou imperícia dos profissionais de Saúde;
30) o paciente tem direito a assistência adequada, mesmo em
períodos festivos, feriados ou durante greves profissionais;
31) o paciente tem direito a receber ou recusar assistência moral,
psicológica, social e religiosa; 
32) o paciente tem direito a morte digna e serena, podendo
optar ele próprio (desde que lúcido), a família ou responsá-
Tanatologia.pmd 46 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 47
vel, por local ou acompanhamento, e ainda se quer ou não
o uso de tratamentos dolorosos e extraordinários para prolongar a vida;
33) o paciente tem direito a dignidade e respeito, mesmo após
a morte. Os familiares ou responsáveis devem ser avisados
imediatamente após o óbito;
34) o paciente tem direito a não ter nenhum órgão retirado de
seu corpo sem sua prévia aprovação; 
35) o paciente tem direito a órgão jurídico de direito específico
da Saúde, sem ônus e de fácil acesso.
De acordo com o Ministério da Saúde, os direitos do paciente
à saúde assegurados pela Constituição Brasileira de 1988 são:
Artigo 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem
à redução de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.
Artigo 197. São de relevância pública as ações e serviços de
Saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei,
sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo
sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Artigo 198. As ações e serviços públicos de Saúde integram
uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um
sistema, único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
i. descentralização, com direção única em cada esfera do governo;
ii. atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais;
i i i . participação da comunidade.
Artigo 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1º As instituições privadas poderão participar de forma
Tanatologia.pmd 47 25/03/2008, 12:3548 Tanatologia: vida e finitude
complementar do Sistema Único de Saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou
convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e
as sem fins lucrativos.
§ 2º É vedada a destinação de recursos públicos para
auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins
lucrativos.
§ 3º É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no
País, salvo nos casos previstos em lei.
§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que
facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias
humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento,
bem como a coleta, processamento e transfusão de sang u e   e   s e u s   d e r i v a d o s ,   s e n d o   v e d a d o   t o d o   t i p o   d e
comercialização.
Artigo 200. Ao Sistema Único de Saúde compete, além de
outras atribuições, nos termos da lei:
iv. controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e
substâncias de interesse para a saúde e participar
da produção de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
v.  e x e c u t a r   a s   a ç õ e s   d e   v i g i l â n c i a   s a n i t á r i a   e
epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
vi. ordenar a formação de recursos humanos na área
de Saúde;
vii. participar da formulação da política e da execução
das ações de saneamento básico;
viii. incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
ix. fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o
controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
x. participar do controle e fiscalização da produção,
Tanatologia.pmd 48 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 49
transporte, guarda e utilização de substâncias e
produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
xi. colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o trabalho.
1.5 O idoso como paciente terminal
A conceituação de paciente terminal não é algo simples de ser
estabelecido embora freqüentemente nos deparemos com avaliações
consensuais de diferentes profissionais. Talvez, a dificuldade maior esteja
em objetivar este momento, não em reconhecê-lo.
A terminalidade parece ser o eixo central do conceito em torno
da qual se situam as conseqüências. É quando se esgotam as possibilidades
de resgate das condições de saúde do paciente e a possibilidade de morte
próxima parece inevitável e previsível. O paciente se torna “irrecuperável”
e caminha para a morte, sem que se consiga reverter este caminhar.
1.6 Envelhecimento e morte
1.6.1 Qual o segredo para chegar ao centenário?
Doutor Euler Ribeiro, M.D., Ph.D.
14
O homem sempre tentou sobreviver mais e mais. Na época das
cavernas, quando não produzia o seu próprio alimento, tinha que caçar
e colher frutos silvestres para sobreviver. Vivia se escondendo nas cavernas
a se proteger das intempéries e dos predadores. Não saía à noite e só
buscava alimento durante o dia, se esse fosse um dia claro sem trovoadas.
Saindo da caverna, com a inteligência que o diferenciava dos
demais animais, começou a produzir o seu próprio alimento, com cuidado para só plantar frutos que não fossem venenosos, e somente caçava
animais de pequeno e médio porte, evitando assim os ataques que poderiam ser fatais, buscando sempre sobreviver mais tempo.
1 4 RIBEIRO, Euler Esteves.  Viver 100 anos: dicas para envelhecer com sucesso. Manaus:
Editora do Governo do Estado do Amazonas, 2005.
Tanatologia.pmd 49 25/03/2008, 12:3550 Tanatologia: vida e finitude
A população crescia, e começaram as disputas por mulheres e
territórios, e o homem, sempre precavido, protegia o tórax, o abdômen
e a cabeça durante as lutas, cuidando sempre para não sucumbir. Mas a
sobrevida não era nada mais do que 20 a 30 anos. Tanto assim que mais
recentemente, Jesus morrendo aos 33 anos, executado na cruz, morreu
idoso para a época.
As epidemias grassavam as populações de tal maneira que as
dizimavam. E eram tidas como castigo divino e outras coisas mais. Até
que o homem descobriu que certas doenças eram transmitidas pela sujeira
e que se tivesse certos cuidados, como lavar as mãos, já poderia se
proteger contra algumas mazelas e viver muito mais.
No entanto, a busca de longa vida culminou com ofertas extraordinárias de poções mágicas desde muito antes de Cristo, pois temos
referências sobre isto no Papiro de Edwim Smith (1600 a.C.). Depois
veio o Elixir da Longa Vida, na Idade Média. O Papa Inocêncio III
(1432–1492) já preparava uma beberagem que tomava e mandava espalhar
que seria jovem a vida toda e, portanto, exerceria o papado para sempre.
Depois, veio a famosa descoberta da Flórida, outra proposta mirabolante
de vida eterna. Em 1889, Brown Sequard, um cientista inglês da Academia de Ciências de Paris, disse haver descoberto por meio de suas pesquisas que se um indivíduo inoculasse macerado de testículo de cachorro,
o hormônio ali existente seria responsável pela manutenção da virilidade
e da própria vida por muitos anos. No mês seguinte não existiam mais
cães vadios nas ruas de Paris, pois todos foram sacrificados para que
tivessem extraídos seus testículos. O que aconteceu de bom foi que a
raiva, que era endêmica em Paris, desapareceu com este controle de
eliminação das fontes de infecção e de transmissão da doença.
Mais recentemente surgiram outros arautos da longevidade. Serge
Voronoff (1866–1951) preconizou o uso de derivados do leite, como o
yogurt, afirmando que estes eram responsáveis pela grande longevidade
daqueles homens que moravam no Cáucaso, região da Rússia. Mas se
descobriu mais tarde que a notícia não passava de propaganda enganosa,
visto que aquelas pessoas estavam usando certidões de idade de seus
parentes que possuíam o mesmo nome para dizerem que eram centená-
rias. E no século passado surgiram Paul Neihans e Ana Aslan, que ganhaTanatologia.pmd 50 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 51
ram fortunas prometendo o rejuvenescimento com aplicações de procaína,
hormônios estrógenos, hormônio do crescimento e EDTA, como a nova
fonte da juventude, baseados na Teoria do Envelhecimento Celular por
Oxidação, por reposição de hormônios quando do declínio funcional, e
por eliminação de placas de ateromas das artérias, evitando assim a maior
causa de mortes no século passado, que seriam as causas cardiovasculares,
rejuvenescendo o homem e aumentando sua sobrevida. Ao contrário de
tal indicação de uso e resultado, pesquisadores demonstraram o engodo
daquelas propostas.
Na verdade, a pesquisa científica chegou à conclusão que as
vacinas preventivas, os antibióticos, o avanço tecnológico na Medicina,
com cirurgias especiais, transplantes, imunologia adequada, saneamento,
dietas ricas em fibras e pobres em hidrato de carbono e gorduras saturadas,
exercícios e hábitos de vida saudáveis represavam um número muito
grande de doenças que podem acometer os idosos pela própria senescência,
evitando, desta forma, a morte prematura. Com isto, houve uma queda
na mortalidade e aumento na longevidade.
A velhice e a morte fazem parte da vida, ou seja, nenhum ser
vivo é eterno. No ser humano, a decadência biológica, chamada cientificamente de senescência, é marcada pela perda e afinamento dos cabelos
e dos pêlos, aparecimento de rugas e manchas na pele, perda de massa
muscular e diminuição da força, perda do tônus e flexibilidade de tecido
conjuntivo, diminuição da acuidade visual e auditiva e de memória, catarata, varicosamento das veias, perda de cálcio nos ossos (osteoporose),
endurecimento das artérias, queda de vários tipos de hormônios, principalmente os sexuais (levando à menopausa e perda da fertilidade na mulher),
só para citar algumas conseqüências.
Bioquimicamente, muita coisa muda com a senescência, inclusive a atividade de enzimas e o aumento da morte celular. O DNA das
células também sofre danos crescentes com a idade, principalmente em
função de exposição a agentes externos e internos, como radicais livres,
radiações, etc.
Há 35 anos, ainda no século passado, um cientista chamado
Hayflick disse que mesmo que não tenhamos nenhuma doença fatal, ainda
assim morreremos. Ele havia descoberto que não somos eternos porque
Tanatologia.pmd 51 25/03/2008, 12:3552 Tanatologia: vida e finitude
nossas células têm um número máximo, pré-programado geneticamente,
de ciclos de reprodução. Não é a passagem do tempo por si que determina quando vamos morrer, mas sim a exaustão da capacidade reprodutiva
e a conseqüente morte progressiva de bilhões de células do nosso corpo,
que não são repostas nunca. Em outras palavras, a morte é programada
e começa no momento da concepção. Então haveria possibilidade de
intervenção para possibilitar o aumento da vida? Parece que sim! Já conseguiram isto em animais simples, vermes e moscas, pois em idades mais
avançadas a mortalidade desacelera em espécies tais como MedFiles (CAREY
et al.,  1992) e  Caenorhabdtitits elegans (BROOK et al, 1994).
Análises de dados de Drosophila, entretanto, demonstram que a
e s t abi l idade  da s   t a x a s  de  mo r t e  pode   o c o r r e r   quando   o   f a t o r  de
heterogeneidade é amenizado pela criação de coortes geneticamente homogêneos sob condições muito similares (VAUPET et al., 1998).
Isto tudo se daria pelo fato de indivíduos mais fracos perecerem
em favor dos mais fortes, que continuam a sobreviver. Por causa do
abandono dos indivíduos mais fracos destas populações, há destruição de
certos tipos genéticos e outros atributos relativos à sobrevivência na
mudança de coortes e de idades mais avançadas. Este é um processo
seletivo denominado de Seleção Demográfica. O efeito desta seleção é
exemplificado pelo abandono da Apo-liproteina na extrema idade.
Rebech e colaboradores notaram a freqüência do Alelo 4, que
diminuiu notavelmente com o avanço da idade (REBECH et al., 1994).
E uma das contrapartidas é que a Apo-liproteina Alelo 2 se torna mais
freqüente com a idade avançada. Houve alguns casos de abandono de
Alelo 4 prematuramente em sua pesquisa, pelo fato da relação da presença
deste Alelo com morte prematura, com Doença de Alzheimer e doenças
do coração.
Investigações mais recentes demonstraram que a alta hereditariedade  do   e s t ado   c o gni t i v o   func i ona l   sus t ent a   a  po s s ibi l idade   que
polimorfismos genéticos podem ter um papel significativo (relativo ao
ambi ent e )  na  de t e rmina ç ã o  da   s obr e v i v ênc i a   em  idade s   a v anç ada s
(McCLEARN et al., 1997). Os pesquisadores chegaram à conclusão –
neste estudo em animais simples, vermes e moscas – que, manipulando
o genoma, encontraram genes da morte, os quais programam uma espécie
Tanatologia.pmd 52 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 53
de “suicídio celular”, chamado cientificamente de apoptose. Esta apoptose
é ainda em grande parte um mistério, mas se sabe que durante o processo
de desenvolvimento do embrião ela é extremamente importante para moldar
como vai ficar o organismo no nascimento, como se fosse uma verdadeira
escultura. Os dedos serão no futuro o que sobrar dos excessos por morte
celular (apoptose) dos tecidos ao seu redor. As conexões cerebrais serão
formadas com 20% do peso do cérebro fetal após a morte maciça de
neurônios a partir do quinto mês de gestação (SABATINI et al., 2003).
Segundo este mesmo autor, a apoptose em adulto também tem
muita importância. Sem ela, o câncer seria extremamente comum, pois
cada vez que a célula é danificada no seu DNA, ela comete suicídio,
impedindo a proliferação de células anormais. Todas as vezes que este
processo falha, teremos sempre que enfrentar o “câncer”. Seria possível
então aumentar artificialmente a longevidade? Os cientistas já conseguiram isto com moscas das frutas, Drosophila (animais simples), inibindo
os genes da morte celular (VALPEL et al., 1998). Teoricamente, um dia
poderemos fazer o mesmo com os seres humanos, pois já foram descobertos genes homólogos aos dos vermes e moscas em nossas células.
Mas não é tão simples assim, pois a ação de cerca de 10% dos
nossos genes deve ser afetada pela senescência, e bloquear a morte programada das células, simplesmente, pode ser extremamente perigoso, levando à morte prematura por câncer ao invés de aumentar a sobrevida.
Por outro lado, a morte celular ocorre também por um processo
induzido, que não foi programado geneticamente: é a necrose celular por
agressão, por substâncias químicas, irradiação, bactérias, vírus, rutura
mecânica, etc.
Sob um outro ponto de vista, de acordo com Ivana da Cruz
(2000), no  Tratado de Geriatria e Gerontologia, muitas modificações
epigeníticas têm sido apontadas como principais causas do processo de
envelhecimento, como é o caso da perda da região telomérica dos
cromossomos e a falha no sistema de reparo do DNA. Por este conceito,
todas as células possuem o que denominamos de “relógio celular”, que é
o limite replicativo da célula. Ou seja, depois de um número determinado
de divisões celulares, a célula não se reproduz mais e morre. No ser
humano, que possui em torno de 250 tipos diferentes de células, cada
Tanatologia.pmd 53 25/03/2008, 12:3554 Tanatologia: vida e finitude
uma destas tem o seu número potencial de divisões, variando de uma
célula para outra, pela sua linhagem, idade e genótipo. Quando há exaustão
de replique de todas estas células, o ser humano morre, mesmo que não
tenha nenhuma doença. E o marcador desta parada de replique de cada
célula é o encurtamento do telômero dos cromossomos. Se no futuro
existir um mecanismo de intervenção neste encurtamento telomérico e de
reparo adequado do DNA, que por sua vez está contido dentro do telômero,
teremos descoberto o mecanismo de prolongar a vida nos seres humanos,
sem o risco de produzirmos o câncer.
A grande conquista do século passado foi o aumento da expectativa de vida do seres humanos. No Japão, país que tem a melhor
expectativa de vida, esta é em torno de 80 anos ao nascer. E no Brasil,
onde por volta de 1950 era de 40 anos, a expectativa de vida quase
dobrou, pois agora corresponde a 70 anos, segundo dados do IBGE de
janeiro de 2004.
Está parecendo que existe um fenômeno dos Centenários, aqueles
que ultrapassaram o umbral desta expectativa e completaram 100 anos.
Contudo, longevos apareceram em todas as épocas. No Velho Testamento
existe referência a um cidadão que teria vivido 960 anos, Matusalém,
mesmo se sabendo que o calendário daquela época não é o mesmo adotado hoje. Madame Jeanne Calmet, que morreu em 1997, viveu 122 anos,
em Paris. Outros exemplos de longevidade são Leonardo da Vinci, que
viveu entre 1452 e 1519, Michelangelo, que viveu entre 1475 e 1564, e
Hipócrates, que morreu aos 83 anos de idade (460–377 a.C.).
A partir do século XX, vem se acumulando a população acima de
80 anos e mais. Nos Estado Unidos existe 1 em cada 10.000 habitantes
com mais de 100 anos de idade. Na França, por exemplo, existiam 200
centenários em 1953, 3.000 em 1989, e demógrafos franceses calculam
que já existem 6.000 até agora (FORELE, 1997).
No Brasil, conforme dados do Censo 2000, do Instituto de
Geografia e Estatística (IBGE), há 14.150 mulheres centenárias e 10.420
homens. Cientistas atribuem esta alta prevalência de idosos centenários a
avanços médicos que tratam prévia e efetivamente doenças letais relacionadas à idade, ou pelo menos as retardam (MAHON e VAUPEL, 1995).
Como resultado, mais e mais pessoas com características genéticas e
Tanatologia.pmd 54 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 55
ambientais que facilitam a sobrevivência até a idade avançada são capazes
de atingir sua expectativa em potencial.
Sabendo que polimorfismos genéticos com especificidade têm
poderosa influência sob a expectativa da vida, não está longe o dia que
os seres humanos manipularão com tal habilidade estes conhecimentos da
Genética que – certamente neste século ainda – veremos esta possibilidade
de se viver mais, sem doenças, e muito provavelmente chegaremos aos
150 anos.
1.6.2 Morte e envelhecimento
Professor José Roberto Goldim
15
O envelhecimento traz consigo a perspectiva da morte. Mesmo
com a aumento da sobrevida da população humana, a vida é sempre um
período finito. Esta finitude passa a ser mais contundente com a chegada
da velhice. A perda de amigos, de familiares e de pessoas de referência
social reforça esta característica.
Quando existe uma doença grave ou outra condição de saúde –
incluindo-se aspectos físicos, mentais e sociais – que gera sofrimento a
morte, passa a ser não só uma probabilidade, mas também uma alternativa. Esta possibilidade passa por um dilema básico: o ser humano é
proprietário ou guardião da vida. Caso seja considerado proprietário,
pode dispor da sua própria vida, caso seja guardião, deve zelar pela
mesma. Esta última é a perspectiva da maioria das religiões, pois consideram que a vida é um dom divino, sendo o ser humano responsável pela
sua preservação.
Um ponto fundamental a ser esclarecido é o que diz respeito ao
estabelecimento de limites de tratamento. Um tratamento pode ser considerado como uma medida ordinária, extraordinária ou fútil. As medidas
ordinárias são mandatórias, devem ser propostas e trazem potencial benefício para a pessoa, mesmo com riscos associados. As medidas extraordinárias são procedimentos terapêuticos que não podem ser obtidos sem
15 Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/germor.htm>.
Tanatologia.pmd 55 25/03/2008, 12:3556 Tanatologia: vida e finitude
gastos excessivos, dor ou outro incômodo, ou, se utilizados, não oferecem
uma possibilidade razoável de benefício. Entende-se por futilidade a ausência de motivo ou de resultado útil em um procedimento diagnóstico
ou de intervenção terapêutica. A determinação envolve, freqüentemente,
juízos de valor, particularmente quando o objetivo é a qualidade de vida.
A futilidade pode ser caracterizada como sendo um tratamento sem valor
terapêutico. Cabe relembrar que os profissionais de Saúde têm a obriga-
ção de cuidar sempre, mas não de tratar sem que haja benefícios.
O limite de tratamento é muito mais facilmente aceito em pessoas muito idosas do que em jovens e crianças. Nestas decisões, o critério
da idade serve como atenuante do impacto. Qual a justificativa para
assumir que uma pessoa com mais de 65 anos tenha um prognóstico pior
do que um jovem em iguais condições? Vários autores têm utilizado o
critério de idade para justificar situações que poderiam ser caracterizadas
não como a aceitação de limites terapêuticos, mas sim de abandono
terapêutico.
Em muitas reflexões sobre a morte, o tema da eutanásia e do
suicídio assistido estão presentes. A eutanásia foi muito utilizada em
vários países do mundo nas décadas de 1920 e 1930. Foi utilizada como
uma medida eugênica, matando doentes mentais, deficientes e também
muitos velhos, com a justificativa de liberar a sociedade destas pessoas
consideradas como um encargo. A partir da década de 1960, a discussão
da eutanásia retornou com outro enfoque, devido aos avanços tecnológicos
postos à disposição das equipes de Saúde, que mudaram inclusive a
própria definição e critérios para o estabelecimento da morte.
A eutanásia em velhos assume uma importância muito grande,
principalmente no que se refere às questões de respeito à autonomia. O
importante é caracterizar que esta decisão é plenamente consciente, que
ela não está sendo tomada devido a um estado depressivo. Na legislação
australiana sobre eutanásia, que foi revogada, havia a exigência de uma
avaliação psiquiátrica para afastar esta possibilidade. O Professor Lolas,
da Universidade do Chile e do Programa Latino-Americano de Bioética
da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), tem alguns relatos de
pacientes que haviam solicitado aos seus médicos interrupção de seu
tratamento ou a tomada de medidas diretas com o objetivo de causar a
Tanatologia.pmd 56 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 57
sua morte, mas que, uma vez tratados de sua depressão, agradeceram a
seus médicos por não terem atendido ao pedido.
Para finalizar, com relação à morte e ao envelhecimento, cabe
relembrar as reflexões feitas por Cícero,
16
 em seu texto  De Senectude.
Mas como é lastimável o velho que, após ter vivido tanto tempo, não
aprendeu a olhar a morte de cima! [...] Aliás, quem pode estar seguro,
mesmo jovem de estar vivo até o anoitecer? Mais ainda: os jovens
correm mais risco de morrer que nós. Adoecem mais facilmente, e
mais gravemente; são mais difíceis de tratar. Assim, não são muitos
a chegar à velhice. [...] Mas retorno à morte que nos espreita. Por que
fazer disso motivo de queixa à velhice, se é um risco que a juventude
compartilha? [...] E o velho nada mais teria a esperar? Então sua
posição é melhor que a do adolescente. Aquilo com que este sonha,
ele já o obteve. O adolescente quer  viver muito tempo, o velho já
viveu muito tempo! [...] Quando este fim chega, o passado desapareceu. Dele vos resta apenas o que vos puderam trazer a prática das
virtudes e as ações bem conduzidas. Quanto às horas, elas se evadem
assim como os dias, os meses e os anos. O tempo perdido jamais
retorna e ninguém conhece o futuro. Contentemo-nos com o tempo
que nos é dado a viver, seja ele qual for. [... ] Assim como a morte
de um adolescente me faz pensar numa chama viva apagada sob um
jato d’água, a de um velho se assemelha a um fogo que suavemente
se extingue. Os frutos verdes devem ser arrancados à força da árvore
que os carrega; quando estão maduros, ao contrário, eles caem naturalmente. Da mesma forma, a vida é arrancada à força aos adolescentes, enquanto deixa aos poucos os velhos quando chega sua hora [...].
Conclusão: os velhos não devem nem se apegar desesperadamente nem renunciar sem razão ao pouco de vida que lhes resta.
16 Cícero.  Saber Envelhecer. Porto Alegre: LP&M, 1997.
Tanatologia.pmd 57 25/03/2008, 12:35Tanatologia.pmd 58 25/03/2008, 12:35M e d i c i n a
e morte
2.1 A história da morte
Fragmentos de  Um estudo teórico sobre a morte
17
Possuímos uma herança cultural sobre a morte que define nossa
visão de morte nos dias atuais. Segundo Kastenbaum e Aisenberg (1983),
as interpretações atuais sobre a morte constituem parte da herança que as
gerações anteriores, as antigas culturas nos legaram.
Faremos, então, um pequeno passeio pela história para que possamos entender como foi construída a idéia da morte encontrada nos dias
de hoje. Arqueólogos e antropólogos, por meio de seus estudos, descobriram que o homem de Neanderthal já se preocupava com seus mortos.
Não somente o homem de Neanderthal enterra seus mortos, mas às vezes
os reúne (Gruta das Crianças, perto de Menton).  (MORIN, 1997)
Ainda segundo Morin (1997), na pré-história, os mortos dos
povos musterenses eram cobertos por pedras, principalmente sobre o
rosto e a cabeça, tanto para proteger o cadáver dos animais quanto para
evitar que retornassem ao mundo dos vivos. Mais tarde, eram depositados
alimentos e as armas do morto sobre a sepultura de pedras e o esqueleto
era pintado com uma substância vermelha.
O não abandono dos mortos implica a sobrevivência deles.
Não existe relato de praticamente nenhum grupo arcaico que abandone
seus mortos ou que os abandone sem ritos.  (MORIN, 1997)
2
17 Disponível  em: <http://www.brasilescola.com/psicologia/estudo-teorico-morte.htm>.
Tanatologia.pmd 59 25/03/2008, 12:3560 Tanatologia: vida e finitude
Ainda hoje, nos planaltos de Madagascar, durante toda a vida, os
kiboris constroem uma casa de alvenaria, lugar onde seu corpo permanecerá após a morte.
Segundo Kastenbaum e Aisenberg (1983), os egípcios da Antigüidade, em sua sociedade bastante desenvolvida do ponto de vista intelectual
e tecnológico, consideravam a morte como uma ocorrência dentro da
esfera de ação. Eles possuíam um sistema que tinha como objetivo ensinar
cada indivíduo a pensar, sentir e agir em relação à morte.
Os autores seguem dizendo que os malaios, por viverem em um
sistema comunitário intenso, apreciavam a morte de um componente
como uma perda do próprio grupo. Desta feita, um trabalho de lamentação
coletiva diante da morte era necessário aos sobreviventes. Ademais, a
morte era tida não como um evento súbito, mas sim como um processo
a ser vivido por toda a comunidade.
Segundo Áries (1977), na  Vulgata, o  Livro da Sabedoria (a versão
latina da Bíblia), após a morte, o justo irá para o Paraíso. As versões nórdicas
do Livro da Sabedoria rejeitaram a idéia de Paraíso descritas no livro original,
pois, segundo os tradutores, os nórdicos não esperam as mesmas delícias que
os orientais, após a morte. Isso porque os orientais descrevem que o Paraíso
tem “a frescura da sombra”, enquanto os nórdicos preferem “o calor do sol”.
Estas curiosidades nos mostram como o ser humano deseja, ao menos após
a morte, obter o conforto que não conseguiu em vida.
Já o budismo, por meio da sua mitologia, busca afirmar a
inevitabilidade da morte. A doutrina budista nos conta a “Parábola do
Grão de Mostarda”: uma mulher, com o filho morto nos braços, procura
Buda e suplica que o faça reviver. Buda pede à mulher que consiga alguns
grãos de mostarda para fazê-lo reviver. No entanto, a mulher deveria
conseguir estes grãos em uma casa onde nunca houvesse ocorrido a morte
de alguém. Obviamente esta casa não foi encontrada e a mulher compreendeu que teria que contar sempre com a morte.
Na mitologia hindu, a morte é encarada como uma válvula de
escape para o controle demográfico. Quando a “Mãe Terra” se torna
sobrecarregada de pessoas vivas, ela apela ao deus Brahma, que envia
então a “mulher de vermelho” (que representa a morte na mitologia
ocidental) para levar pessoas, aliviando assim os recursos naturais e a
Tanatologia.pmd 60 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 61
sobrecarga populacional da “Mãe Terra”.
Segundo Mircea Elíade (1987), os fino-úgricos (povos da região
da Península de Kola e da Sibéria Ocidental) têm sua religiosidade profundamente vinculada ao xamanismo. Os mortos destes povos eram enterrados em covas familiares, onde os que morreram há mais tempo
recebiam os “recém-mortos”. Assim, as famílias eram constituídas tanto
pelos vivos quanto pelos mortos.
Esses exemplos nos trazem uma idéia de continuidade em relação
à morte, não sendo considerada como um fim em si. Havia uma certa
tentativa de controle mágico sobre a morte, o que facilitava sua integração
psicológica, não havendo, portanto, uma cisão abrupta entre vida e morte.
Isso, sem dúvida, aproximava o homem da morte com menos terror.
Apesar da familiaridade com a morte, os antigos de Constantinopla
mantinham os cemitérios afastados das cidades e das vilas. Os cultos e
honrarias que prestavam aos mortos tinham como objetivo mantê-los
afastados, de modo a que não “voltassem” para perturbar os vivos. Por
outro lado, na Idade Média, os cemitérios cristãos se localizavam no
interior e ao redor das igrejas, e a palavra cemitério significava também
“lugar onde se deixa enterrar”. Daí, eram tão comuns as valas cheias de
ossadas sobrepostas e expostas ao redor das igrejas.
A Idade Média foi um momento de crise social intensa que acabou
por marcar uma mudança radical na maneira do homem lidar com a morte.
Kastenbaum e Aisenberg (1983) nos relatam que a sociedade do século XIV
foi assolada pela peste, pela fome, pelas Cruzadas, pela Inquisição; uma
série de eventos provocadores da morte em massa. A total falta de controle
sobre os eventos sociais teve seu reflexo também na morte, que não podia
mais ser controlada magicamente como em tempos anteriores. Ao contrário,
a morte passou a viver lado a lado com o homem, como uma constante
ameaça a perseguir e pegar a todos de surpresa.
Esse descontrole traz, à consciência do homem desta época, o
temor da morte. A partir daí, uma série de conteúdos negativos começa
a ser associada à morte: conteúdos perversos, macabros, bem como torturas e flagelos, passam a se relacionar com a morte, provocando um total
estranhamento do homem diante deste evento tão perturbador. A morte
se personifica como forma de o homem tentar entender com quem está
Tanatologia.pmd 61 25/03/2008, 12:3562 Tanatologia: vida e finitude
lidando, e séries de imagens artísticas se consagram como verdadeiros
símbolos da morte, atravessando o tempo até os dias de hoje.
Kübler-Ross (1997) descreve que são cada vez mais intensas e
velozes as mudanças sociais  expressas pelos avanços tecnológicos. O
homem tem se tornado cada vez mais individualista, preocupando-se menos
com os problemas da comunidade. Essas mudanças têm seu impacto na
maneira com a qual o homem lida com a morte nos dias atuais.
O homem da atualidade convive com a idéia de que uma bomba
pode cair do céu a qualquer momento. Não é de se surpreender, portanto,
que o homem, diante de tanto descontrole sobre a vida, tente se defender
psiquicamente, de forma cada vez mais intensa contra a morte. “Diminuindo a cada dia sua capacidade de defesa física, atuam de várias maneiras
suas defesas psicológicas” (KÜBLER-ROSS, 1997).
Ao mesmo tempo, essas atrocidades seriam, segundo ponto de
vista de Mannoni, (1995), verdadeiras pulsões de destruição; a dimensão
visível da pulsão de morte.
Mannoni (1995), citando Áries, conta que a morte revelou sua
correlação com a vida em diversos momentos históricos. As pessoas podiam
escolher onde iriam morrer, longe ou perto de tais pessoas, em seu lugar
de origem, deixando mensagens a seus descendentes.
A possibilidade de escolha deu lugar a uma crescente perda da
dignidade ao morrer, como nos afirma Kübler-Ross (1997): “[...] já vão
longe os dias em que era permitido a um homem morrer em paz e
dignamente em seu próprio lar.”
Para Mannoni, nos dias atuais, 70% dos pacientes morrem nos
hospitais enquanto no século passado 90% morriam em casa, perto de
seus familiares. Isto ocorre porque nas sociedades ocidentais o moribundo
é, geralmente, afastado de seu círculo familiar.
O médico não aceita que seu paciente morra e, se entrar no
campo em que se confessa a impotência médica, a tentação de
chamar a ambulância (para se livrar do “caso”) virá antes da idéia
de acompanhar o paciente em sua casa, até o fim da vida.
(MANNONI, 1995)
Tanatologia.pmd 62 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 63
A morte natural deu lugar à morte monitorada e às tentativas de
reanimação. Muitas vezes, o paciente nem é consultado quanto ao que
deseja que se tente para aliviá-lo. A medicalização da morte e os cuidados
paliativos, não raro, servem apenas para prolongar o sofrimento do paciente e de sua família. É muito importante que as equipes médicas aprendam a distinguir cuidados paliativos e conforto ao paciente que está
morrendo de um simples prolongamento da vida.
Outro aspecto comportamental do ser humano em relação à morte
é que antigamente se preferia morrer lentamente, perto da família, onde
o moribundo tinha a oportunidade de se despedir. Atualmente, não é raro
se ouvir dizer que é preferível uma morte instantânea do que o longo
sofrimento causado por uma doença. Entretanto, segundo Kovács (1997),
contrariando o senso comum, o tempo da doença justamente ajuda a
assimilar a idéia de morte e a conseguir tomar decisões concretas, como
a adoção dos filhos ou a resolução de desentendimentos.
Segundo Bromberg (1994), nossa cultura não incorpora a morte
como parte da vida, mas sim como castigo ou punição.
2.1.1 Sobre os mistérios da morte e o amparo àqueles que dela se
aproximam
Danilo Santos de Miranda
18
Vários especialistas afirmam que nas décadas mais recentes tem
ocorrido na sociedade ocidental um inédito e surpreendente fenômeno: a
negação de nossa finitude, expressão do grande tabu do século XX. Num
passado recente, morria-se em casa, junto à família. O processo do morrer
era acompanhado com compaixão pelos entes queridos. O moribundo era
ouvido em seus derradeiros pedidos e recomendações. A morte estava
mais presente no cotidiano.
Atualmente, o hospital é o lugar onde nascemos e morremos. A
morte se tornou solitária nas Unidades de Terapia Intensiva, local onde,
18 Disponível em:
<http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/ti index.cfm?forget=13&revista=35&editorial=1>.
Tanatologia.pmd 63 25/03/2008, 12:3564 Tanatologia: vida e finitude
muitas vezes, luta-se em vão pela continuidade de uma vida meramente
vegetativa. A família se retira e retira de seu doente a possibilidade de
decisão sobre seu destino, delegando essa responsabilidade aos profissionais da Saúde. Esconde-se dos netos a morte do avô. Mente-se às crianças
dizendo que a vovó fez uma “viagem” e que demorará a voltar.
Antes, mesmo com temor, a morte era enfrentada de alguma
forma. Hoje, a fragilidade e a transitoriedade da vida são escamoteadas.
Suportamos e até banalizamos a morte do outro enquanto que a nossa
própria morte é varrida de nossa consciência. Possivelmente, os valores da
sociedade de consumo em que vivemos alimente idéias de uma certa
onipotência e ausência de limites, valores incompatíveis com a natureza
efêmera da vida material e com a sábia postura de humildade frente ao
transcendente.
Muitos médicos e profissionais da Saúde têm dificuldade em
lidar com a morte. A perda de um paciente tende a desencadear sentimentos de fracasso profissional. Felizmente, como uma reação a esse estado
de coisas e na defesa da dignificação da morte e do processo de morrer,
especialistas, filósofos e religiosos desenvolvem a Bioética, como um novo
e importante campo de conhecimento.
Dráuzio Varela, em seu livro Por um fio, compartilha com o leitor
a mais importante revelação que teve como resultado dos muitos anos de
contato com pacientes terminais: a de que a missão do médico não é a
de salvar vidas, mas a de minorar o sofrimento humano. Em suma,
diríamos que essa missão pode e deve ser estendida a todos nós e a todas
as circunstâncias que vivenciarmos. Imbuídos por essa atitude solidária,
faremos nossa parte na construção de uma sociedade mais acolhedora,
altruísta e humana, sociedade na qual se possa nascer, crescer e morrer
com dignidade.
Tanatologia.pmd 64 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 65
2.1.2 Por  que falar da morte?
Eva Paulino Bueno
19
A idéia para este artigo surgiu de conversas informais com amigos,
quando comentávamos como é difícil perder um amigo ou um parente e
como todos vivemos com o temor de um telefonema no meio da noite,
ou de uma carta que vem de longe, dando a notícia que ninguém quer
receber. Para todos nós que moramos longe das nossas famílias, e cujos
pais estão velhinhos, o medo é uma constante. E como conversa puxa
conversa, acabamos comentando, bastante informalmente, como  algumas
culturas reagem de maneiras diferentes à morte, mas que, de maneira
geral, a dor muito humana da perda de alguém é universal.
Deste bate-papo informal chegamos à conclusão que seria uma
boa idéia colocar em termos de pequenos ensaios e artigos esta olhada
multicultural em como, embora a dor seja a mesma, as manifestações
externas diferem tanto quando se trata da morte.
Daí foi um passo para começar a contatar amigos e conhecidos de
vários países e áreas de estudo. Alguns aceitaram e se puseram a pesquisar
e escrever. Mas outros simplesmente se recusaram a escrever sobre tal
assunto, uns porque ainda estão passando por um luto muito doloroso, e
outros porque acharam que não poderiam escrever coerentemente sobre a
morte. Outros acharam que não teriam tempo de escrever. E, por fim, uns
disseram que escrever sobre tal assunto seria de mau agouro.
Como tal resposta veio de pessoas do meio acadêmico, gostaria
de pausar por um momento no assunto do mau agouro e ver como ele
pode ser impedimento a que alguém escreva sobre um determinado assunto. O mau agouro, o azar, é algo que parece estar associado em muitas
culturas com a possibilidade da morte e da danação, ou, para os cristãos,
para o sofrimento eterno, o Inferno. O azar seria, então, ao mesmo tempo
punição de algo e ímã atraindo ainda pior sorte, especialmente a do tipo
que dura para sempre. A decisão de não insistir com os colegas foi fácil:
ninguém colocaria amigos em tal situação, por mais importante que a
19 Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/030/30ebueno01.htm>.
Tanatologia.pmd 65 25/03/2008, 12:3566 Tanatologia: vida e finitude
contribuição pudesse ter sido. A atração de alguma coisa negativa, de uma
energia que só se extingue à custa de uma vida, ou de muita dor, é algo
em que muitos acreditam (tanto no plano racional como no emocional),
e acreditar é meio caminho andado para que qualquer coisa se realize.
Já entre os outros que não tinham tempo para escrever, percebi
duas atitudes diferentes: uns acharam que não valia a pena escrever sobre
a morte porque “todos já sabem do que se trata,” e outros porque queriam entrevistar pessoas de alguns grupos e o tempo não era suficiente.
Na verdade, apesar das diferentes razões que mesmo os que não se
prontificaram a escrever deram, todos tinham, de alguma forma, um
conhecimento específico do que a morte representa e, além dela, sabiam
de alguma maneira de homenagear os mortos ou apaziguar os espíritos
dos que já se foram. Isto parece que é algo que todos reconhecemos, não
importando cultura, classe social, nível de escolaridade. De acordo com
antropólogos, os seres humanos já vêm fazendo estas homenagens, estes
rituais funerários, há muito tempo.
Lembro-me de ter lido há muitos anos, e ficado devidamente
impressionada, que cientistas haviam encontrado um esqueleto humano
petrificado, e junto ao esqueleto, também petrificados, encontraram-se
vestígios de flores que eles deduziram terem sido trazidas e colocadas ao
lado do morto. Como concluíram que as flores haviam sido trazidas e não
tinham simplesmente crescido ali?  Porque as flores não cresciam naquele
lugar e para estarem ali deveriam ter sido cortadas e trazidas pelos que
participaram de uma cerimônia funerária.
 Esta explicação faz algum tipo de sentido, mesmo que uns possam dizer que, quando os cientistas dão estas explicações, estão na realidade contando uma história, um conto, que nos ajuda a compreender a
nossa humanidade. E a nossa humanidade tem muito a ver como nos
relacionamos com os mortos, como os respeitamos, como nos despedimos deles. Nós somos os animais que sabemos que vamos morrer, e a
morte nos fascina. Esta fascinação é, de qualquer forma, uma das maneiras em que nos diferenciamos dos demais animais.
A estranha fascinação com a morte também pode ser vista na
existência de múmias em quase todas as partes do mundo. Estes restos
mortais, preservados para durar e levar a alma da pessoa até outra dimenTanatologia.pmd 66 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 67
são, são encontrados tanto no Egito como nas Américas, como na Europa
e até mesmo na Ásia. Em algum ponto da maioria das culturas, ao que
tudo indica, as pessoas concluíram que há uma outra vida além desta e
que pelo menos alguns indivíduos merecem ser mantidos e preservados
para a passagem de um lado a outro.
Entre os egípcios, como sabemos, preservavam-se não somente
os corpos dos faraós e membros de suas famílias, mas os corpos de quem
tivesse dinheiro suficiente para pagar pelo custoso processo.
20
 Há também
o caso de múmias “espontâneas”, aquelas que a composição do solo ou
outras características ambientais – neve, acidez da terra – produziram em
várias partes do mundo. Na América Latina, por exemplo, caso especial
é o dos antigos habitantes do que hoje é o Peru, que sacrificavam crianças
nas montanhas dos Andes, provavelmente para apaziguar os deuses. Ainda
se podem encontrar estes corpos, ricamente vestidos e enfeitados, quase
que completamente conservados, mumificados pela neve e o gelo. Também desta região do Peru, e em parte do Chile, vêm as múmias dos
chinchorros.
Assim como as múmias dos Egito, estas também requeriam grande trabalho, sendo que o processo de mumificação exigia grande conhecimento científico.
21
 Na Irlanda, na região pantanosa que se chama “bog”,
já se encontraram vários corpos de pessoas que viveram ali há vários
séculos, mumificados pelos componentes químicos do lugar. O mais fa-
2 0 Como resultado, hoje sabemos, há múmias egípcias no mundo inteiro. O que não deixa
de ser triste e surreal ao mesmo tempo: estes pobres corpos eram roubados pelos locais
no Egito e vendidos especialmente a europeus e norte-americanos. No Westminster
College, na Pennsylvania, por exemplo, o Departamento de Ciência tem uma múmia
que foi comprada por um ex-aluno da escola e doada à instituição. Uma placa nos informa
que é o corpo de uma mulher, e fornece outras informações sobre idade aproximada,
ano da chegada aos Estados Unidos, etc. Mas não fornece o nome da mulher. Este nome
se perdeu nas literais areias e nas do tempo. Mas o fato que estes são os restos mortais
de uma mulher que viveu há tantos séculos se transformou em um ponto emocional,
especialmente para as alunas da universidade. Muitas delas fazem questão de passar pelo
esquife de vidro e dizer alô para a “garota” que faz parte da escola. Algumas a chamam
de “bela adormecida.” Talvez esta seja uma maneira melhor que estar dentro de um esquife
em um museu?
21 Ver <http://www.mummytombs.com/mummylocator/group/chinchorro.htm> para mais
detalhes.
Tanatologia.pmd 67 25/03/2008, 12:3568 Tanatologia: vida e finitude
moso destes antigos habitantes da Irlanda mereceu um poema de Seamus
Heaney, poeta irlandês que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em
1995. Na Dinamarca, perto da vila de Grauballe, em 1952, foi encontrado um corpo mumificado na lama e sua idade aproximada foi calculada
em mais de mil anos. Na Rússia, foram encontradas múmias dos reis do
povo chamado scythian, que viveu naquela região do século VIII ao VI 
a.C. Na Ásia Central, na região da bacia do Rio Tarim, também foram
encontradas múmias, conservadas por quatro mil anos pelo clima seco e
pelo sal da terra. E por aí vai, pelo mundo afora.
No nosso Brasil tropical, pelo menos que eu saiba, não há múmias,
embora esta palavra, múmia, seja uma das maneiras que podemos usar
para nos referir a alguém de forma pejorativa. Mas, mesmo não tendo
múmias de verdade, temos histórias de tumbas que, por assim dizer,
contam a história da pessoa enterrada nela. Cada cemitério tem uma
destas. Quem não sabe de histórias de uma tumba “que chora” ou na qual
flores estranhas crescem, ou na qual alguns dizem que ouvem sons em
certos dias? Uma das mais interessantes que eu conheço é a história de
duas cunhadas que se odiavam em vida.
Quando a primeira morreu, ela foi colocada no jazigo da família.
A segunda, já velhinha, disse a todos que não a colocassem no mesmo
jazigo, porque ela seguia odiando a finada. A família se esqueceu do pedido
e, quando a segunda velhinha morreu, colocaram seu corpo junto com o
da parente. Não deu outra: o túmulo rachou. A família então resolveu
remover o corpo e colocá-lo em outra parte do cemitério para evitar que
a rusga das duas continuasse se manifestando de maneira tão escandalosa.
Se é verdade esta história, eu não sei. Mas é uma história interessante.
Já em alguns lugares da África Ocidental, por exemplo, os locais
tinham muito medo do que as pessoas chamadas griots podiam fazer
depois de mortos, e por isso, em algumas regiões do Senegal, “enterravam” seus corpos de uma maneira muito estranha. Os griots ainda hoje
em dia funcionam como artistas, historiadores, contadores de histórias,
artistas ambulantes, genealogistas e jornalistas. Eles vão de um lugar ao
outro levando e trazendo notícias, contando histórias, cantando músicas.
No passado, quando um griot morria, a comunidade onde ocorria a morte abria o tronco de um baobá – como se sabe, uma árvore
Tanatologia.pmd 68 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 69
imensa – e ali dentro colocavam o corpo do griot.
22
 Talvez a comunidade
quisesse assim preservar o fato de que o griot tinha tanta importância que
deveria continuar ”vivendo” dentro do organismo vivo que é a árvore.
Mas, talvez, o que este costume revele é aquilo que cada um de nós sabe:
a morte nos fascina, nos amedronta, e nos lembra, a cada momento, que
ela existe e que faz parte da vida.
Outra coisa que sabemos é que a morte é, em todo mundo, uma
ocasião triste, mesmo quando a pessoa que morre já é velha ou está doente.
Depois dos primeiros momentos, em alguns casos, talvez a família respire
aliviada por não estar mais testemunhando o sofrimento do doente, ou a
demência da pessoa idosa, mas logo vem a consciência de que esta pessoa
jamais vai ser vista outra vez. Sua voz  nunca mais vai ser ouvida.
A pessoa morta não vai mais vir para jantar. Não vai mais telefonar. Não vai mais poder convidar para um cafezinho, ou dar uma bronca,
ou contar uma piada, ou simplesmente estar no mundo com a gente. A
pessoa que morreu não vai mais mudar. Não vai mais envelhecer. A pessoa
que morreu vai seguir por um caminho que nós não conhecemos.
E é aqui que começam as muitas homenagens aos mortos, as
muitas cerimônias tentando apaziguá-los, consolá-los, ou mesmo entrar
em contato com eles. Neste momento, surgem as diferentes manifestações
culturais que se centram nestas tentativas de reencontrar a pessoa que se
foi. Desde as sessões espíritas, em que as pessoas mortas supostamente
voltam e falam pela boca do médium, às cerimônias especiais em algumas
culturas indígenas em que membros vivos entram em transe e se conectam
com os espíritos dos ancestrais, e mesmo aos milagres que os cristãos
atribuem aos santos (que são nada mais nada menos pessoas que viveram
alguma experiência excepcional e que, em resultado, adquiriram status
especial), todas são formas de contato com os que estão do outro lado.
Onde eu moro, perto do México, o Dia dos Mortos – “el día
de los muertos” – é uma ocasião especial, porque muitas pessoas de San
Antonio são mexicanas ou de origem mexicana. Em cada casa de famí-
lia, para o dia 2 de novembro, monta-se um altar, no qual são home-
22 Ver mais informação em Thomas Hale,  Griots and Griottes, Indiana University Press,
1 9 9 8 .
Tanatologia.pmd 69 25/03/2008, 12:3570 Tanatologia: vida e finitude
nageados os mortos da família. Também em alguns lugares públicos tais
altares são montados, homenagens são feitas, em uma maneira de manter viva a tradição.
Além das fotos dos finados, estes altares contêm o “pan de muerto”
– um tipo de rosca doce que pode ser feita em forma de caveira. No altar
também há flores, velas, perfumes, coisas que os finados gostavam, e até
cartas para eles escritas por familiares e amigos. Para as crianças, distribuem-se caveirinhas de açúcar e também há muitos bonequinhos com
formas de esqueletos em posições divertidas. Este costume, que vem dos
tempos pré-colombianos, indica que neste dia as almas dos parentes visitam a Terra, especialmente a casa da família, e assim têm a ocasião de
passar um tempo com os parentes, matando as saudades, escutando as
novidades.
23
Mas muitas pessoas não acreditam que há um outro lado. A
morte, para muitos, é um final definitivo e não uma passagem. No
entanto, mesmo para estes, é possível usar esta ocasião para dizer algo.
Podemos citar como  exemplo as cerimônias funerárias em que a família
do morto se esmera nas suas demonstrações de riqueza e poder. Tais
cerimônias têm como intento alcançar mais status para a própria família
do morto, e esta ocasião e o espaço cultural da cerimônia podem ser
considerados a sua última contribuição à família.
No Brasil, como sabemos muito bem, muitos usam até o cemitério para fazer suas afirmações de riqueza e status: basta ir a qualquer
um e ali estão os túmulos feitos de materiais caros, extremamente enfeitados, e com o nome da família em destaque. É impossível não comparar
tal costume com o que existe nos Estados Unidos, onde, em geral, os
cemitérios são bastante simples, e as famílias fazem doações para várias
causas em homenagem ao morto.
De fato, tanto pelos excessos de demonstração de poder quanto
pela simplicidade das tumbas, os cemitérios podem ser tomados como
2 3 Uma busca rápida na internet, com a frase “el día de los muertos” fornecerá acesso a muitas
páginas em inglês e espanhol nas quais se encontram mais detalhes desta festa, assim
como as divertidas figuras da morte em várias atividades sociais e culturais. Estas
figurinhas, sempre engraçadas, são um dos símbolos do México.
Tanatologia.pmd 70 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 71
uma manifestação histórica, cultural, artística, religiosa e até política.
Parece ser um fato mundial que, embora a morte possa significar a
cessação da presença física da pessoa morta, não significa que a sua
contribuição para a sua família, grupo social, partido político ou país,
cesse com a sua morte física.
Aí entramos em um aspecto muito interessante das cerimônias
funerárias e das atividades especiais durante o período de luto, que diferem não só de uma cultura à outra como também de um tempo ao outro,
e às vezes até de uma região para outra dentro de um mesmo país. Um
fato interessante na Inglaterra, por exemplo, é que a Rainha Vitória,
quando seu marido Alberto morreu, em 1861, estabeleceu uma série de
normas a serem seguidas durante o luto, desde a roupa negra, papéis de
carta com uma faixa negra, até os elaborados funerais. O período de luto
variava dependendo da relação que a pessoa tinha com o morto. Havia
o seguinte quadro:
MORTE DE PERÍODO DE LUTO
Marido Dois ou três anos
Esposa Três meses
Pai ou filho Um ano
Irmão ou irmã Seis meses
Avós Seis meses
Tias e tios Três meses
Sobrinhos e sobrinhas Dois meses
Tios-avós Seis semanas
Primos Quatro a seis semanas
Esta relação nos leva a concluir, por exemplo, que a perda de
uma esposa era menos importante do que a perda dos avós. Isso nos leva
a outra consideração, a do valor da relação entre a pessoa morta e quem
a perdeu. Há a relação dos parentes e amigos mais próximos, mas também temos outra categoria de pessoas cuja morte nos afeta embora talvez
nunca tenhamos visto esta pessoa em “carne e osso”. Estes são os nossos
ícones culturais e podem vir da arena artística, política, e religiosa. Na
nossa América Latina, por exemplo, podemos citar Evita Perón, e Che
Tanatologia.pmd 71 25/03/2008, 12:3572 Tanatologia: vida e finitude
Guevara. No Brasil, podemos citar Carmem Miranda, Getúlio Vargas,
Ayrton Senna e mesmo Tancredo Neves, e muitos outros (cada um de nós
tem seus favoritos). Dos vizinhos de cima, nos lembramos de John Kennedy,
Martin Luther King Jr., Malcom X, Marilyn Monroe, Jimmy Hendrix,
Janis Joplin, Elvis Presley, Kurt Cobain, entre outros. No caso destes
nomes citados, muitos choraram sua morte como se eles fossem da pró-
pria família. Em alguns casos, como Mao na China, ainda hoje multidões
visitam seu mausoléu e choram sua perda.
Todos estes assuntos são fascinantes em si mesmos. Entender
como vemos a morte nos ajuda a entender outros mecanismos da sociedade humana, e, espera-se, nos ajuda a entender como fazer a vida
melhor, mais significativa, mais respeitada.
2.2 A morte e a Medicina
A missão tradicional do médico é aliviar o sofrimento humano;
se puder curar, cura; se não puder curar, alivia; se não puder aliviar,
consola.
Ao pensar na morte, seja a simples idéia da própria morte, ou
a expectativa mais do que certa de morrer um dia, seja a idéia estimulada
pela morte de um ente querido ou mesmo de alguém desconhecido, o ser
humano maduro normalmente é tomado por sentimentos e reflexões.
As pessoas que se regozijam em dizer que não pensam na morte,
normalmente têm uma relação mais sofrível ainda com esse assunto, tão
sofrível que nem se permitem pensar a respeito.
Esses pensamentos, ou melhor, os sentimentos determinados por
esses pensamentos variam muito entre as diferentes pessoas, também
variam muito entre diferentes momentos de uma mesma pessoa. Podem
ser sentimentos confusos e dolorosos, serenos e plácidos, raivosos e rancorosos, racionais e lógicos, e assim por diante. Enfim, são sentimentos
das mais variadas tonalidades.
Isso tudo pode significar que a morte, em si, pode representar
algo totalmente diferente entre as diferentes pessoas, e totalmente diferente em diferentes épocas da vida de uma mesma pessoa.
Tanatologia.pmd 72 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 73
2 . 3 A morte e a Psicanálise
Fragmentos de  Um estudo teórico sobre a morte
24
Desde muito cedo, ainda bebês, quando passamos a distinguir
nosso próprio corpo do corpo da mãe, somos obrigados a aprender a nos
separar de quem ou daquilo que amamos. A princípio, convivemos com
separações temporárias como, por exemplo, a mudança de escola. Mas
chega uma hora em que acontece a nossa primeira perda definitiva:
alguém que nos é muito querido, um dia se vai para sempre. É justamente
esse “para sempre” o que mais nos incomoda. Porém, quanto mais conscientes estivermos de nossas mortes diárias, mais nos preparamos para o
momento da grande perda de tudo que colecionamos e nutrimos durante
a vida: desde toda a bagagem intelectual, todos os relacionamentos afetivos,
até o corpo físico.
Com o distanciamento cada vez maior do homem em relação à
morte, cria-se um tabu, como se fosse desaconselhável ou até mesmo
proibido falar sobre este tema. Segundo Bromberg (1994), “[...] como
aprendemos em nossa cultura, evitamos a dor, evitamos a perda e fugimos
da morte, ou pensamos fugir dela [...]”.
Esse quadro atual nos revela a dimensão da cisão que o homem
tem feito entre vida e morte tentando se afastar ao máximo da idéia da
morte, considerando sempre que é o outro que vai morrer e não ele.
Então nos lançamos à questão da angústia e do medo em relação à morte.
Uma das limitações básicas do homem é a limitação do tempo.
Segundo Torres (1983), “[...] o tempo gera angústia, pois, do ponto de
vista temporal, o grande limitador chama-se morte [...]”.
A Psicanálise Existencial, apontada por Torres (1983), revela a
dimensão da angústia da morte: “A angústia mesma nos revela que a
morte e o nada se opõem à tendência mais profunda e mais inevitável do
nosso ser”, que seria a afirmação do si mesmo.
Mannoni (1995) busca em Freud palavras que falem da angústia
do homem diante da morte: “[...] Freud a situa ou na reação a uma
24 Disponível  em: <http://www.brasilescola.com/psicologia/estudo-teorico-morte.htm>.
Tanatologia.pmd 73 25/03/2008, 12:3574 Tanatologia: vida e finitude
ameaça exterior, ou como na melancolia, ao desenrolar de um processo
interno. Trata-se sempre, porém, de um processo que se passa entre o eu
e a severidade do super-eu.”
Segundo Kastenbaum e Aisenberg (1983), o ser humano lida com
duas concepções em relação à morte: a morte do outro, da qual todos nós
temos consciência, embora esteja relacionada ao medo do abandono; e a
concepção da própria morte, a consciência da finitude, na qual evitamos
pensar, pois para isto temos que encarar o desconhecido.
É a angústia gerada ao entrar em contato com a fatalidade da
morte que faz com que o ser humano se mobilize a vencê-la, acionando
para este fim diversos mecanismos de defesa, expressos por intermédio de
fantasias inconscientes sobre a morte. Muito comum é a fantasia de existir
vida após a morte; de existir um mundo paradisíaco, regado pelo princí-
pio do prazer e onde não existe sofrimento; de existir a possibilidade de
volta ao útero materno, uma espécie de parto ao contrário, onde não
existem desejos e necessidades. Ao contrário dessas fantasias prazerosas,
existem aquelas que provocam temor. O indivíduo pode relacionar a
morte com o Inferno. São fantasias persecutórias que têm a ver com
sentimentos de culpa e remorso. Além disso, existem identificações
projetivas com figuras diabólicas, relacionando a morte com um ser
aterrorizante, com face de caveira, interligado a pavores de aniquilamento,
desintegração e dissolução.
O homem é o único animal que tem consciência de sua própria
morte. Segundo Kovács (1998), “[...] o medo é a resposta mais comum
diante da morte. O medo de morrer é universal e atinge todos os seres
humanos, independente da idade, sexo, nível sócio-econômico e credo
religioso.”
Para a Psicanálise Existencial, enunciada por Torres, (1983), “[...]
o medo da morte é o medo básico e ao mesmo tempo fonte de todas as
nossas realizações: tudo aquilo que fazemos é para transcender a morte.”
E complementa esse pensamento afirmando que “todas as etapas do desenvolvimento são na verdade formas de protesto universal contra o acidente da morte.”
Segundo Freud (1917), ninguém crê em sua própria morte. Inconscientemente, estamos convencidos de nossa própria imortalidade.
Tanatologia.pmd 74 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 75
Nosso hábito é dar ênfase à causação fortuita da morte – acidente, doença, idade avançada – desta forma, traímos um esforço para reduzir a morte de uma necessidade para um fato fortuito.
2.4 A morte e o ensino médico
Na formação do médico, bem como na formação das especialidades, a morte costuma ser abolida do rol de preocupações clínicas.
Dificilmente os médicos perguntam, na anamnese, se o paciente tem
medo de morrer, pensa em morrer, pensa em suicídio, ou coisas assim.
Aliás, nem sequer é perguntado se o paciente está triste, nem sequer como
ele está. E isso se deve, provavelmente, à total falta de conhecimento sobre
o que fazer com a resposta do paciente.
Quanto mais avança o conhecimento médico em todos os campos (Farmacologia, terapêutica, anestesia, cirurgia, transplantes de órgãos,
fertilização humana, Genética, Imunologia, Medicina nuclear, recursos
diagnósticos, etc...), quanto mais se desenvolvem tecnologias aplicadas à
Medicina, mais o médico se distancia da morte.    
Os protocolos de procedimentos médicos, as normas administrativas da Medicina e os rígidos manuais de conduta acabaram por
institucionalizar a morte. É comum vermos em livros-texto uma perfeita
descrição de determinado quadro clínico, reconhecidamente irreversível e
com desfecho fatal, mas nada se fala dos cuidados finais, da atenção
familiar e afetiva que o paciente deveria receber nesse momento. Não,
fala-se muito em deixá-lo nos Centros de Terapia Intensiva.
É   o b j e t i v o   d a  Me d i c i n a   Pa l i a t i v  a   a   p r e o c u p a ç ã o   c om  a
desinstitucionalização da morte, dando ao paciente a possibilidade de escolher permanecer em casa durante sua agonia. A discussão que pretendemos
alimentar é, sobretudo, um protesto contra as condições de vida impostas
pela Medicina moderna aos doentes terminais, subtraindo deles as opções
de um morrer menos sofrível. Pensamos que intervir no paciente terminal
em Centros de Terapia Intensiva, quando não objetiva exclusivamente
minimizar sofrimentos, pode refletir sentimento de onipotência da Medicina sobre a vida, sobre a vida física, como se ela fosse considerada o bem
supremo e absoluto, acima da liberdade e da dignidade.    
Tanatologia.pmd 75 25/03/2008, 12:3576 Tanatologia: vida e finitude
O amor pela vida, quando a toma como um fim em si mesma,
transforma-se em um culto pela vida. A Medicina que se preocupa insensivelmente com as “condições vitais”, deixando de lado as “qualidades
vitais”, promove implicitamente esse culto idólatra à vida.     
Nessas circunstâncias, a Medicina interfere na fase terminal como
se travasse uma luta a todo custo contra a morte e não, como seria
preferível, uma luta em defesa do paciente. A maneira de morrer, portanto, não pode ser excluída, absolutamente, do projeto de vida da pessoa.
A maneira de morrer também é uma forma de humanizar a vida no seu
ocaso, devolvendo-lhe a dignidade perdida.
O grande desenvolvimento da Medicina nas últimas décadas do
século XX, assim como as melhorias inegáveis nas condições de vida,
elevaram a expectativa de vida de 34 anos, no começo do século XX, até
quase 80 anos no começo do século XXI.    
Conseqüente ao aumento da perspectiva de vida e ao envelhecimento progressivo das populações, nas últimas décadas está havendo um
aumento gradual na prevalência de algumas doenças crônicas e invalidantes.
Os avanços conseguidos no tratamento específico do câncer têm
permitido um aumento significativo da sobrevivência e da qualidade de
vida desses pacientes. Mesmo assim, estima-se atualmente que 25% das
mortes sejam devidas ao câncer. Por outro lado, sem nenhuma relação
com o envelhecimento da população, a AIDS grassou tenazmente em
nossa sociedade, demandando fortes medidas sanitárias. Aqui também,
apesar dos avanços nessa área, continua grande o número anual de pacientes terminais produzidos por essa doença.    
O estado mórbido a que chamamos de doença terminal se caracteriza por algumas situações clínicas precisamente definidas, as quais se
podem relacionar da seguinte forma.     
• Presença de uma doença em fase avançada, progressiva e
incurável.  
• Falta de possibilidades razoáveis de resposta ao tratamento
específico.
• Presença de numerosos problemas ou sintomas intensos, múltiplos, multifatoriais e alternantes.
Tanatologia.pmd 76 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 77
• Grande impacto emocional (no paciente e familiares) relacionado à presença ou possibilidade incontestável da morte.
• Prognóstico de vida inferior a seis meses.
Os pacientes terminais apresentam peculiaridades próprias que o
profissional médico deve conhecer. O controle dos sintomas do estado
terminal deve ser abordado não só do ponto de vista farmacológico senão
também do ponto de vista psicológico, social, familiar, espiritual, etc.
Nesses pacientes, os sintomas costumam ser devidos a diversos fatores.
Podem ser decorrentes da própria doença que levou ao estado terminal,
podem ser devidos aos tratamentos médicos fortemente agressivos à saú-
de, da debilidade física geral ou de causas totalmente alheias à doença
grave, entre elas, do estado emocional do paciente.
Seja qual for a origem dos sintomas e do quadro geral que o
paciente apresenta é necessário explicar, da melhor forma possível, o que
está ocorrendo e as possíveis questões que possam estar preocupando.
Também a família deve estar sempre bem informada, especialmente quando os cuidados estiverem a cargo dela (SÁNCHEZ, 2000).
2.5 Terminalidade
Claísa Maria Mirante
A morte ainda constitui um acontecimento pavoroso, muitas vezes
tido como universal. É considerada um tabu, causadora de medo, pânico,
e recusa. A morte, além de deixar uma grande angústia, coloca para o
homem a questão da finitude. Becker (1973) expõe a idéia de que o
homem, a qualquer custo, faz um movimento para evitar a morte, sendo
o medo uma condição universal humana. Para essa afirmação, ele utiliza
diversas disciplinas das ciências humanas. Teoriza sobre o problema da
atividade heróica e a coloca como problema central da vida humana, a
qual é baseada no narcisismo e na necessidade que o homem tem de
amor-próprio, desenvolvido na infância.
Segundo Becker (1973), “a própria sociedade é um sistema codificado de heróis, o que significa que a sociedade, em toda parte, é um
mito vivo do significado da vida humana, uma criação que desafia signiTanatologia.pmd 77 25/03/2008, 12:3578 Tanatologia: vida e finitude
ficados”. O ato heróico perpassa a vida do ser humano como uma necessidade de afirmação de suas potencialidades, o homem de grandes realizações, de grandes construções e feitos extraordinários. Ao mesmo tempo
em que alimenta a sua auto-estima – e, consequentemente, a vida –,
coloca a morte num lugar distante. O narcisismo aparece aí, o que é
perfeito, o belo é eterno. A idéia de narcisismo permite ao homem o
status de semi-deus, para esse, quem morre é o outro, o colega, o vizinho.
Segundo Freud “o inconsciente não conhece a morte e o tempo,
o homem se sente imortal”. De acordo com Becker, no homem, o
narcisismo é inseparável da auto-estima. Em suas palavras, “quando se
combina o narcisismo com a necessidade básica de amor-próprio, cria-se
uma criatura que tem de sentir um objeto de valor fundamental, a primeira no universo, representando em si mesma a vida toda”.
Becker (1973) escreve que uma das grandes redescobertas do
pensamento moderno é que, de todas as coisas que movem o homem,
uma das principais é o seu terror da morte. Ele demonstra que no século
XIX, o homem heróico era aquele que podia entrar no mundo espiritual,
no mundo dos mortos, e voltar vivo. Cita o exemplo da ressurreição de
Cristo, na Páscoa. Todas as religiões históricas procuraram explicar como
suportar e aceitar o fim da vida.
Alguns estudiosos não acreditam que o medo da morte nasça
com o homem. Eles acham que esse medo se desenvolve na criança a
partir dos três anos de idade. A criança até então só percebe as coisas
vivas. Aos poucos e gradativamente, ela começa a introjetar a idéia de
morte, que a princípio se assemelha à ausência, e caminha para a conc lus ã o  de   que   e s s a   aus ênc i a   é  pa r a   s empr e ;  ma s   e l a   s ó  pe r c ebe   a
inevitabilidade da morte lá pelos nove anos de idade. Conforme esse
ponto de vista em relação ao medo da morte, esse é algo que a sociedade
cria e ao mesmo tempo usa contra a pessoa, para mantê-la submissa.
Sendo assim, quanto mais experiências mórbidas uma pessoa tem ao
longo de sua vida, maior será a ansiedade da morte.
Algumas pessoas acreditam nesta hipótese, mas argumentariam
que, apesar de tudo, o temor da morte é natural e está presente em todos
os indivíduos. O que fundamenta essa afirmação é que o medo da morte
muitas vezes aparece camuflado na vida do indivíduo, essa face escondida
Tanatologia.pmd 78 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 79
do temor da morte aparece nas sensações de insegurança, nos sentimentos
de desânimo, depressão, vazio e tristeza vital.
2.5.1 O  que é o paciente terminal?
Pilar L. Gutierrez
25
A conceituação de paciente terminal não é algo simples de ser
estabelecido, embora freqüentemente nos deparemos com avaliações
consensuais de diferentes profissionais. Talvez, a dificuldade maior esteja
em objetivar este momento, não em reconhecê-lo.
A terminalidade parece ser o eixo central do conceito em torno
da qual se situam as conseqüências. É quando se esgotam as possibilidades
de resgate das condições de saúde do paciente e a possibilidade de morte
próxima parece inevitável e previsível. O paciente se torna “irrecuperável”
e caminha para a morte, sem que se consiga reverter este caminhar.
Estudos na literatura tentam estabelecer índices de prognóstico e
de qualidade de vida procurando definir de forma mais precisa este
momento da evolução de uma doença, tendo como preocupação o estabelecimento de novas diretrizes para o seguimento destes pacientes. Entretanto, estes trabalhos descrevem melhor aspectos populacionais e
epidemiológicos, perdendo a especificidade quando aplicados em nível
individual. Abre-se a perspectiva de discussão deste conceito caso a caso:
um paciente é terminal em um contexto particular de possibilidades reais
e de posições pessoais, sejam de seu médico, sua família e próprias. Esta
colocação implica em reconhecer esta definição, paciente terminal, situada além da Biologia, inserida em um processo cultural e subjetivo, ou
seja, humano.
Mesmo assim, é evidente que alguns critérios podem tornar este
momento menos impreciso, entre eles os clínicos (exames laboratoriais,
de imagens, funcionais, anatomopatológicos), os dados da experiência que
a equipe envolvida tem acerca das possibilidades de evolução de casos
2 5 GUTIERREZ, Pilar L. O que é o paciente terminal? Passo Fundo (RS).  Rev Ass Med
Brasil 2001;  47(2) :  85-109.
Tanatologia.pmd 79 25/03/2008, 12:3580 Tanatologia: vida e finitude
semelhantes, os critérios que levam em conta as condições pessoais do
paciente (sinais de contato ou não com o exterior, respostas ao meio, à
dor), a intuição dos profissionais (suas vivências e experiências semelhantes). De qualquer forma, paciente, família e equipe se situam neste ponto
da evolução da doença frente a impossibilidades e limites, de maneira que
reconhecer o fim parece ser a dificuldade maior. Denegar este conhecimento determina estragos nos que partem e nos que ficam. Morrer só,
entre aparelhos, ou rodeado por pessoas com às quais não se pode falar
de sua angústia, determina um sofrimento difícil de ser avaliado, mas,
sem dúvida, suficientemente importante para ser levado em conta.
Os que ficam, por outro lado, têm de se haver com a culpabilidade, a solidão e a incômoda sensação de não ter feito tudo o que
poderia.
As dificuldades no estabelecimento de um conceito preciso não
comprometem os benefícios que paciente, família e profissionais podem
ter no reconhecimento desta condição.
Admitir que se esgotaram os recursos para o resgate de uma cura
e que o paciente se encaminha para o fim da vida não significa que não
há mais o que fazer. Ao contrário, abre-se uma ampla gama de condutas
que podem ser oferecidas ao paciente e sua família. Condutas no plano
concreto, visando agora ao alívio da dor, à diminuição do desconforto,
mas sobretudo a possibilidade de se situar frente ao momento do fim da
vida acompanhados por alguém que possa ouvi-los e sustente seus desejos.
Reconhecer, sempre que possível, seu lugar ativo, sua autonomia, suas
escolhas, permitir-lhe chegar ao momento de morrer, vivo, não antecipando o momento desta morte a partir do abandono e isolamento.
Estabelece-se uma nova perspectiva de trabalho, multidisciplinar,
que costuma se chamar cuidados paliativos, embora a preocupação com
o alívio e conforto deva estar presente em todos os momentos do tratamento. Para o profissional que se interessa por esta atuação (acompanhar
o paciente na morte) surgem questões a serem pensadas, como a própria
morte e sua posição frente a ela e à vida. Não é uma tarefa fácil (por isso,
talvez, tantas vezes denegada). Entretanto, não há como não reconhecer a
riqueza desses intercâmbios, quando possíveis.
Tanatologia.pmd 80 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 81
2.6 Bioética e medicalização da morte
2.6.1 O  paciente terminal: vale a pena investir no tratamento?
Marcos Knobel
26
Ana Lucia Martins da Silva
27
A doença é uma experiência de fragilidade que pode provocar no
paciente e nos familiares a consciência da mortalidade e da finitude da
existência. Há exacerbação desta percepção em casos em que o prognóstico é reservado, como no paciente terminal. Por definição, paciente
terminal é aquele com condição irreversível, independentemente de ser
tratado ou não, e que apresenta uma alta probabilidade de morrer num
período relativamente curto de tempo.
A morte, em si, possui significados diferentes para diferentes
pessoas e varia ainda ao longo da vida de cada uma delas, dependendo da
cultura e das experiências. Em nossa cultura, a morte é percebida como
perda, fracasso e, assim sendo, provoca sentimentos de tristeza, medo,
insegurança. Frente à ameaça da perda, a pessoa pode experimentar emoções
e sentimentos que se alternam entre todas as nuances de esperança e
angústia, podendo dificultar o entendimento da situação e prejudicando a
capacidade de tomar decisões coerentes. O médico pode favorecer o
paciente e a família a alcançarem o ponto de equilíbrio, construindo uma
relação baseada na confiança e diálogo, pois a relação médico–paciente
ultrapassa o limite simplesmente biológico da intervenção médica e se
aprofunda em relação terapêutica.
Nem todo paciente que apresenta discussão sobre o investimento
no tratamento é um paciente terminal. É importante diferenciar esse
paciente daquele em estado vegetativo, cujas funções vitais estão mantidas,
porém o contato com o meio ambiente está comprometido em graus
variados. Os dilemas éticos e legais mais freqüentemente vividos pelo
médico e pelo paciente dizem respeito a até quando deve ser instituído
2 6 Médico Assistente da UTI do Hospital Israelita Albert Einstein – São Paulo (SP).
2 7 Psicóloga da UTI do Hospital Israelita Albert Einstein – São Paulo (SP).
Tanatologia.pmd 81 25/03/2008, 12:3582 Tanatologia: vida e finitude
o tratamento e em que nível este deve ser efetuado. Porém, sabemos que
em alguns casos o tratamento pode levar a uma melhora clínica, mesmo
que transitória, possibilitando ao paciente situações de convívio familiar
que, por menor que possa parecer para a equipe médica, pode ser fundamental para o paciente e sua família.
Quando o objetivo é qualidade de vida, está implícito um juízo
de valor ao determinar a futilidade de um determinado tratamento, posto
que não há conceito único e universal de qualidade de vida, mas sim um
conceito pessoal que varia de pessoa para pessoa. Para tomar decisões
baseadas também no conceito de qualidade de vida é necessário considerar os aspectos existenciais do paciente e de sua família, que constituem
um complexo biossocioespiritual.
É quase um consenso entre nós que pacientes portadores de
neoplasia em estado avançado, refratários a todo e qualquer tipo de tratamento, merecem, como todos, um final livre de dor e com a presença
de seus familiares. Nos casos de pacientes em quadro vegetativo, a discussão entre a manutenção do tratamento pode ser mais acirrada. Com
a progressão do processo clínico que levou ao estado vegetativo, a família
vai aos poucos mudando o modo de encarar a saúde do paciente, valorizando pequenas melhoras ou atitudes do paciente, como até um piscar
de olhos em casos de seqüela de traumatismo craniano, e para ela este
simples ato é um motivo de extrema alegria.
Por mais absurdo que possa parecer à equipe multidisciplinar e
fontes pagadoras ficar investindo com todo arsenal terapêutico num paciente sem possibilidades de melhora, devemos saber que a família é soberana
na decisão e tem o total direito, inclusive legal, de que todo tipo de
tratamento seja feito, independente do prognóstico e do tempo de internação
hospitalar. Neste contexto, ressaltamos que o tratamento não visa somente
à cura, mas também ao alívio da dor, conforto e estabilidade clínica, por
mais reservado que seja o prognóstico. Cabe ao médico, nesse caso, dar à
família noções sobre sofrimento do paciente, complicações e evolução clí-
nica, para que num consenso seja instituída a melhor forma de tratamento.
Outro aspecto de importância para ser analisado nestas situações
é a questão religiosa, que para muitos é soberana perante qualquer outro
fator clínico ou social. Existem algumas religiões que preconizam que a
Tanatologia.pmd 82 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 83
alma do paciente somente terá um descanso harmonioso após a parada
cardíaca e que em nenhuma outra situação, a não ser esta, o tratamento
pode ser interrompido ou abreviado, mesmo em casos de morte encefálica.
Diante destes aspectos e do contato nos últimos anos com estes casos, fica
muito claro que o médico desempenha papel fundamental na condução
clínica e na orientação aos familiares, porém estes são soberanos para
toda e qualquer decisão que diz respeito à saúde do paciente.
Tanatologia.pmd 83 25/03/2008, 12:35Tanatologia.pmd 84 25/03/2008, 12:35Cuidados
paliativos
e Bioética
3.1 Cuidados paliativos e aspectos psicológicos
28
Paliativo é a qualidade de aliviar, e é o que mais interessa à
pessoa que sofre. Portanto, quando se fala Medicina Paliativa não se
pretende de forma alguma atribuir um sentido pejorativo, minimizado ou
frugal ao termo. Devemos ter cuidado quando alguém diz... “esse medicamento é apenas um paliativo”, com intenção clara de atribuir alguma
conotação pejorativa.     
No Brasil, a Medicina Paliativa ainda caminha a passos lentos,
mas no Reino Unido, onde tudo começou, somando-se com a Austrália,
Estados Unidos e Canadá, existem mais de 6.000 centros de Medicina
Paliativa, sendo considerada uma especialidade médica e de grande notoriedade. Aqui no Brasil, a atuação da Medicina Paliativa, iniciada em
1983 pela Doutora Míriam Martelete no Hospital das Clinicas de Porto
Alegre, é ainda praticamente desconhecida pelos médicos brasileiros.
 Os cuidados paliativos são tipos especiais de cuidados destinados a proporcionar bem-estar, conforto e suporte aos pacientes e seus
familiares nas fases finais de uma enfermidade terminal. Assim, a Medicina Paliativa procura conseguir com que os pacientes desfrutem os dias
que lhes restam de forma mais consciente possível, livres da dor e com
seus sintomas sob controle. Isso tudo é pretendido para que esses pacientes possam viver seus últimos dias com dignidade, em sua casa ou em
algum lugar o mais parecido possível, rodeados de pessoas que lhes queiram bem. Na realidade, esse tipo de cuidado pode ser realizado em
3
28 BALLONE, G. J.  Lidando com a Morte. Disponível em: <http://sites.uol.com.br/
gballone/voce/postrauma.html>.
Tanatologia.pmd 85 25/03/2008, 12:3586 Tanatologia: vida e finitude
qualquer local onde o paciente se encontra, seja em sua casa, no hospital,
em asilos ou instituições semelhantes, etc.  
Paliativo é um tipo de cuidado médico e multiprofissional aos
pacientes nos quais a doença não responde aos tratamentos curativos. Para
a Medicina Paliativa é primordial o controle da dor, de outros sintomas
igualmente sofríveis e até dos problemas sociais, psicológicos e espirituais.
Os cuidados paliativos são interdisciplinares e se ocupam do paciente, da 
família e do entorno social do paciente.    
Os cuidados paliativos não prolongam a vida nem tampouco
aceleram a morte. Eles somente tentam estar presentes e oferecer conhecimentos médicos e psicológicos suficientes para o suporte físico, emocional e espiritual durante a fase terminal e de agonia do paciente, bem
como melhorar a maneira de sua família e amigos lidarem com essa
questão. Essa área médica objetiva o alívio, a preparação e, conseqüentemente, a melhoria das condições de vida dos pacientes com doenças
progressivas e irreversíveis como, por exemplo, crônico-degenerativas,
incapacitantes e fatais. Atualmente diz respeito mais aos pacientes com
câncer, AIDS, pneumopatias, degenerações neuromotoras, doenças metabólicas, congênitas, Doença de Alzheimer, Doença de Parkinson, etc.,
bem como os politraumatizados com lesões irreversíveis.     
Uma das maiores dificuldades para a Medicina Paliativa ter desenvoltura próxima a de outras especialidades pode ser o preconceito
universal existente em relação às condutas terminais, mais precisamente
em relação à morte.
Daí, na visão paliativa, a família tem um papel fundamental. De
modo geral, exceto as infelizes exceções, o familiar representa mais do que
a simples presença de alguém promovendo cuidados ao paciente. O familiar
representa alguém que, independente das possibilidades terapêuticas, pode
compreender e realizar com carinho difíceis tarefas como, por exemplo,
dar banho, às vezes no leito, dar a medicação nas doses e horários certos,
preparar e dar uma alimentação adequada, fazer curativos, etc. É claro
que os profissionais contratados para essas tarefas poderão fazê-las melhor,
tecnicamente, mas importa muito a maneira e o carinho com que são
realizadas. Havendo a qualidade afetiva dos cuidados, outros cuidadores,
além da família, podem ser envolvidos no Tratamento Paliativo.
Tanatologia.pmd 86 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 87
Um dos propósitos da Medicina Paliativa é orientar a família para
que ela seja um bom suporte de auxílio ao paciente terminal, priorizando
sempre as condições necessárias para manter o paciente em casa, onde,
seguramente, terá mais qualidade de vida. Em casa, ele estará cercado de
carinho e atenção, o que pode minimizar o seu medo de morrer.
Para a desejável participação familiar plena devem ser identificados, dentro da dinâmica familiar, os eventuais pontos de conflitos, anteriores e posteriores ao diagnóstico da doença.
3.1.1 O  cuidado à família do paciente gravemente enfermo
29
O período que vai da constatação do câncer até a morte de uma
pessoa querida é assimilado de maneira diferente por diferentes pessoas
e grupos. De certa forma, considerando-se a inevitabilidade do curso
grave e às vezes letal do câncer, pode-se dizer que a experiência vivencial
da doença, apesar de dolorosa e difícil, muitas vezes tem contribuído para
um importante desenvolvimento pessoal. Lidar com a expectativa de uma
morte na família não é um processo fácil e não se pode abordar de
maneira simplista.
A forma com a qual a pessoa enfrenta o sofrimento e a perda
dependerá, entre outras variáveis, da personalidade afetiva de cada um e
da relação que essa pessoa teve com quem morreu ou está para morrer.
Também é muito relevante a experiência do câncer em si, a maneira como
se desenvolveu a doença, as crenças religiosas e culturais, a história psiquiátrica de quem vivencia a doença, o apoio disponível, assim como o
estado socioeconômico e a maneira como a pessoa é afetada durante esse
processo de sofrimento. É muito importante deixar claro o significado dos
seguintes termos: pesar e pena. Estes sentimentos estarão presentes, de
forma variada, nos familiares de pacientes com câncer e são termos que
se usam, freqüentemente, com diferentes intenções (RANDO, 1984).
29 Disponível em: <http://gballone.sites.uol.com.br/psicossomatica/cancer3.html>.
Tanatologia.pmd 87 25/03/2008, 12:3588 Tanatologia: vida e finitude
Pesar é o sentimento que surge como reação ao fato de ter
sofrido uma perda. O pesar identifica a situação específica das pessoas
que tenham experimentado uma determinada perda (CORR, 1997), portanto, é uma reação emocional específica a este determinado “objeto”.
Devido à perda, desenvolve-se uma grande quantidade de emoções, experiências e mudanças na vida psíquica da pessoa. A duração desse estado
depende da intensidade da relação com a pessoa que morreu (“objeto”
pe rdido ) .  É bom  subl inha r   que   o  pe s a r   t em  t ambém um  a spe c t o
antecipatório, ou seja, supõe o aparecimento de emoções e sentimentos
antecipadamente à perda (vai morrer).
A pena é o processo normal de reação emocional à percepção (forte
indício) de uma perda. As reações de pena podem ser vistas nas respostas à
perdas físicas ou tangíveis como, por exemplo, a morte, ou a perdas abstratas
e psicossociais como, por exemplo, o divórcio, o emprego, etc. Cada tipo de
perda implica experimentar algum tipo de falta ou privação.
Durante o processo que atravessa uma família que vivencia o
câncer, experimentam-se várias perdas e cada uma gera sua própria rea-
ção. As reações de pena podem ser psicológicas, físicas, sociais e de
conflitos emocionais. As reações psicológicas podem incluir raiva, mágoa,
culpa, ansiedade e tristeza. As reações físicas incluem dificuldade para
dormir, mudanças no apetite, queixas ou doenças somáticas, enfim, sinais
e sintomas relacionados ao Transtorno de Adaptação e Ajustamento. As
reações sociais incluem os sentimentos experimentados ao ter que cuidar
de outros membros da família, o desejo de ver ou não a determinados
amigos ou familiares (isolamento), ou o desejo de regressar rapidamente
ao trabalho. Este processo depende do tipo de relação que se teve com
a pessoa que morreu. Lindenmam (1994) faz notar cinco características:
• aflição somática;
• preocupação com a imagem da pessoa morta;
• culpa;
• reações hostis;
• perda da conduta normal.
O conflito emocional, seja ele consciente ou inconsciente, pode
ser relacionado também à resposta cultural à perda. O processo de incorTanatologia.pmd 88 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 89
porar a perda na vida afetiva contrapõe aquilo que queremos com aquilo
que devemos e aquilo que conseguimos. O conflito é, por exemplo, a
contraposição entre o fato de sabermos que a morte deve ser inevitável,
até como decorrência normal de quem vive, mas mesmo assim não queremos e nem conseguimos aplicar à realidade essa conotação racional.
Muitos outros conflitos, ainda mais complexos, podem estar presentes
diante da perda de um ente querido.
No chamado  processo da pena se incluem três tarefas necessárias
para que a pessoa volte a se reintegrar a sua vida normal. Estas atividades
abrangem:
• liberar-se dos laços com a pessoa falecida;
• reajustar-se ao ambiente onde a pessoa falecida já não está;
• formar novas relações.
Liberar-se dos laços com a pessoa falecida implica em que se
deve modificar a “energia emocional” (o tônus afetivo) investida na pessoa
perdida. Isto não quer dizer, de forma alguma, que tenhamos deixado de
amar a pessoa desaparecida, mas sim que é possível agora dirigir os
sentimentos e afetos a outros, em busca de uma satisfação emocional.
A morte desperta com freqüência evocações de perdas ou separações do passado. Bowlby (1961) descrevia três fases do processo de luto:
• a urgência de recuperar a pessoa perdida;
• a desorganização e desespero;
• a reorganização da vida.
Durante o processo de reajuste ambiental (reorganização da vida),
tem-se que modificar as regras, os valores, a própria identidade e as
habilidades para se ajustar a um mundo onde o falecido já não está. Ao
modificar a energia emocional, a energia que se concentrava na pessoa
falecida agora converge para outras pessoas ou outras atividades. Esse
esforço adaptativo costuma requerer muita energia física e emocional e,
não raro, vemos pessoas atravessando essa fase experimentando uma fadiga avassaladora. Nessa fase, em se tratando de um estado depressivo, ou
mesmo de um transtorno de ajustamento, pode estar indicado um tratamento psiquiátrico medicamentoso ou psicoterápico, ou ambos.
Tanatologia.pmd 89 25/03/2008, 12:3590 Tanatologia: vida e finitude
Esta experiência de perda e pesar não é somente pela pessoa que
faleceu, mas também por todos os planos, idéias e fantasias que não se
levaram a cabo com a pessoa desaparecida.
De qualquer forma, os processos de pesar e de pena fazem parte
normal do universo existencial humano, são normais na medida em que
sugerem que os seres humanos necessitam se apegar a outros para melhorar sua sobrevivência e reduzir o risco de dano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOWLB, J. Processes of mourning. International Journal of Pschoanalsis 42: 317-340,
1961.
CORR, C.A.; NABE, C.M.; CORR, D.M. Death and Ding, Life and Living. 2nd ed.,
Pacific Grove: Brooks/Cole Publishing Company, 1997.
LINDEMANN, E. Sympthomatology and management of acute grief. Centenar Meeting
of the American Pschiatric Association (1994, Philadelphia, Pa). American  Journal
of Pschiatr 151(6, Suppl): 155-160, 1994.
RANDO, TA. Grief, Ding and Death: Clinical Interventions for Caregivers. Champaign:
Research Press Company, 1984.
Tanatologia.pmd 90 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 91
3.1.2 Autonomia e direito de morrer com dignidade
Maria Júlia Kovács
30
Professora Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP)
e Consultora do Centro Oncológico de Recuperação e Apoio
Se a alma se despir de sal
e os braços perderem os movimentos das garças
Estás morta!
Então, deita-te, enrola nos bocados
de areia da praia o corpo todo e vai-te embora...
Deves morrer com dignidade.
Estás morta. É proibido corar.
Maria Amaro
Os recursos tecnológicos da Medicina atual permitem o prolongamento da vida em muitas situações que até um passado relativamente
recente determinavam a morte do paciente. O que se procura discutir é
se o prolongamento artificial da vida deve se sobrepor obrigatoriamente
como única  alternativa eticamente válida, mesmo quando envolve sofrimento para o doente, para os que lhe são próximos e comprometimento
da dignidade da pessoa. Qual o sentido de se falar, nestes casos, da
validade ética de uma morte digna?
DOIS RETRATOS DO PROCESSO DE MORRER NO SÉCULO XX
Ariès (1977) falou da morte no século XX como interdita, invertida, vergonhosa, fracasso, erro médico. É como se o homem pudesse ou
devesse derrotar a morte. É uma tentativa de brincar de Deus, de ser um
aprendiz infantil e ingênuo, sua pálida imitação. Podemos citar, como
exemplo, pacientes em estágio avançado de doença, sem perspectiva de
cura ou melhora, “vegetando” em UTIs, sem nenhuma função vital autô-
noma, todas sendo realizadas por aparelhos: alimentação por tubos, eliminação por cânulas, batimentos cardíacos estimulados, mãos e braços tomados por soros, ou amarrados para que algum movimento não os ar-
30 Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/revista/bio1v6/autodireito.htm>.
Tanatologia.pmd 91 25/03/2008, 12:3592 Tanatologia: vida e finitude
rebente, e finalmente, na boca, um tubo para garantir o ritmo respiratório.
Parece-nos uma imagem cruel de um “Frankenstein” do século XX.
Então nos perguntamos, será que o desenvolvimento da ciência,
da Medicina, deve ser no sentido de prolongamento da vida a todo custo?
Será que a morte poderá ser eliminada, não mais num ensaio ou romance,
mas de fato? O que significaria para nós não termos limite, não termos
fim, termos todo o tempo do mundo? E como seria a vida eterna? Ficaríamos eternamente jovens ou eternamente velhos?
Apresentaremos a seguir um caso que tivemos a oportunidade de
acompanhar e que ilustra esta tentativa de estender a vida a um custo que
nos parece deva ser discutido.
Sr. X, 84 anos de idade, portador de um câncer controlado,
problemas cardíacos, pressão alta, teve diversos episódios de angina e
alguns enfartes, tendo sido constatada uma obstrução em pontos importantes de suas artérias. O paciente, consciente, pede que não se tente
nenhuma intervenção, sente que viveu o suficiente e gostaria de morrer
em paz. O seu médico, que o acompanhava há muitos anos, concordou
com este pedido. Entretanto, outros membros da equipe médica do hospital decidem realizar um procedimento de cateterismo, convencendo o
paciente de que este exame era simples e poderia dar melhor indicação
do seu quadro, possibilitando talvez uma desobstrução das artérias
entupidas. Mesmo contra a sua vontade, o exame foi realizado, e por uma
intercorrência, que parece não ser tão rara nestes casos, sofreu um derrame que o deixou praticamente totalmente paralisado. Este procedimento
teve conseqüências graves, e este homem sobreviveu nestas condições por
mais dois anos. Por ocasião de uma piora do seu quadro foi hospitalizado
e conduzido à UTI, onde foram realizadas diversas manobras de sobrevivência. A última imagem que tivemos, um pouco antes de sua morte, foi
aquela que chamamos de “Frankenstein” do século XX. Havia tubos por
todos os orifícios de seu corpo, todas as atividades vitais eram realizadas
por máquinas, as mãos estavam amarradas, da sua boca torta saía o tubo
do respirador, com seu ruído constante. O único meio de comunicação
que lhe restava eram os olhos, que expressavam profunda tristeza, e dos
quais rolavam lágrimas.
Tanatologia.pmd 92 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 93
Neste caso, o processo de morte não pertence mais à pessoa,
tira-se a sua autonomia e sua consciência. O paciente se encontra muitas
vezes só, porque os horários de visita são estabelecidos segundo a conveniência do hospital. Perde a noção do dia ou noite porque a iluminação
é sempre igual. Os seus companheiros são tubos e ruídos de monitores,
e não a voz e a imagem dos familiares.
A trajetória da morte se modificou e hoje passou a ter várias
denominações: morte clínica, morte cerebral, morte encefálica. São cada
vez mais sofisticados os aparelhos para medir o prolongar a vida. Segundo
Ziegler (1977), o médico não mais registra somente a hora da morte, mas
muitas vezes a determina.
Não pretendemos criticar as UTIs de uma forma geral, pois
graças ao seu desenvolvimento tecnológico muitas vidas podem ser salvas.
Pretendemos, sim, que o debate se instale quando se trata de pacientes
gravemente enfermos, com quadros irreversíveis, e onde as assim chamadas “medidas extraordinárias” parecem infligir sofrimento intolerável sob
o título de que é necessário se manter a vida a todo custo. Sabemos que
muitos médicos não realizariam estes procedimentos nos dias de hoje,
entretanto o exemplo que apresentamos ocorreu em 1996 e ilustra pontos
que demandam discussão.
Apresentamos um outro retrato, que já se faz presente no final
do século XX, com a seguinte composição. Pacientes com doenças graves,
em estágio terminal, participam de programas de cuidados paliativos. Se
pudéssemos fazer uma montagem utilizando o exemplo do Sr. X, o retrato
apareceria desta forma:
Sr. X numa unidade de internação ou em casa, rodeado de seus
familiares, tendo uma equipe que cuidaria do alívio de seus sintomas,
preocupada com sua qualidade de vida. Talvez o Sr. X vivesse menos dias,
morresse mais cedo, entretanto isto ocorreria com mais qualidade de vida.
Em meados do século XX, começaram a se desenvolver na Europa e nos Estados Unidos os programas de cuidados paliativos, inspirados nas idéias de pioneiros como Kubler-Ross (1989) e Saunders (1991).
A instituição modelo dos cuidados paliativos, denominada “hospice”, é o
St Christopher’s, fundada em Londres, em 1967, por Cicely Saunders. O
objetivo destes programas é a diminuição do sofrimento causado por
Tanatologia.pmd 93 25/03/2008, 12:3594 Tanatologia: vida e finitude
doenças malignas e degenerativas. Não se propõem a realizar diagnósticos
sofisticados ou tratamentos com alta tecnologia, mas sim buscam oferecer
alívio de sintomas incapacitantes e mais qualidade de vida. A família
participa de todo o processo e, se o paciente está internado, pode permanecer o tempo todo com ele, inclusive no momento de sua morte. Muitos
pacientes chegam a estes serviços após intenso sofrimento, tendo passado
por diversos tratamentos e sido dispensados de seus tratamentos prévios
com a clássica expressão “não há mais nada a fazer”. Freqüentemente,
apresentam-se com dores, desespero, dificuldades físicas e emocionais.
A o   c h e g a r e m ,   b u s c a - s e   p r o n t o   a l í v i o   d e   s e u s   s i n t o m a s
incapacitantes. Uma equipe especializada em cuidados paliativos acolhe
o s   p a c i e n t e s   e   s e u s   f ami l i a r e s .   S ã o   f a v o r e c i d a s   a   a u t o n omi a   e   a
participação do paciente em seus tratamentos, e logo que é possível, e
com a concordância deste e de seus familiares, a continuidade do
tratamento pode ser realizada no domicílio. Visa-se estimular a busca de
atividades importantes para o paciente, tornando seus últimos momentos
de vida mais significativos, bem como proporcionando a dignificação do
processo de morrer (KOVÁCS, 1994).
Segundo Gotay (1993), existem diferentes modalidades de programas de cuidados paliativos.
Unidades de internação – Especialmente construídas para este fim,
possuem instalações físicas apropriadas e que contemplam a possibilidade
de os familiares ficarem junto do paciente pelo tempo que desejarem. Seus
objetivos principais dentro dos cuidados paliativos são proporcionar:
• controle de sintomas: muitas doenças no estágio terminal
vêm acompanhadas de vários sintomas altamente incapacitantes, entre os quais dor, fraqueza, náusea/vômitos, escaras,
feridas. Uma vez controlados, muitos pacientes podem
retornar ao lar e ser cuidados por seus familiares;
• dar um tempo de descanso à família: é muito cansativo
cuidar de pacientes com doenças em estágio avançado, ocorrendo episódios de estresse, esgotamento físico e emocional
dos cuidadores, principalmente aqueles mais em contato com
o paciente. Neste caso, o internamento e a garantia de cuidados pode proporcionar um tempo de descanso à família.
Tanatologia.pmd 94 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 95
Ala de cuidados paliativos em hospitais gerais – Oferecem serviços de consultoria nesta área.
Atendimento domiciliar  – O paciente segue com o seu tratamento no domicílio, havendo uma equipe designada para favorecer a continuidade dos procedimentos com visitas regulares. Se necessária, é providenciada a internação para alívio mais intenso dos sintomas ou para
descanso da família. Alguns hospitais têm mobilizado parte das suas equipes para oferecer este tipo de atendimento.
Hospitais-dia ou Centros de Convivência – São centros acoplados
a hospitais, ou “hospices”, onde o paciente pode receber os seus tratamentos sem necessidade de internação. Costumam ainda oferecer atividades
de socialização, importantes para aqueles pacientes que vivem sozinhos.
Em todas essas propostas, o fundamental são os princípios dos
cuidados paliativos, que se preocupam em aliviar e controlar sintomas
incapacitantes nas esferas física, psíquica, social e espiritual, e buscar qualidade de vida. Devem também proporcionar cuidados à família do paciente
nas suas mais variadas necessidades, inclusive após a morte deste.
Apresentamos dois retratos: as UTIs e os Programas de Cuidados
Paliativos, com princípios muito diferentes, mas que retratam as várias
formas de se encarar a morte no final do século XX. No Brasil, o movimento de cuidados paliativos ainda está em fase embrionária, estando
muito recente o seu desenvolvimento. Infelizmente, ainda não é muito
conhecido nem por profissionais da área de Saúde que, por incrível que
pareça, não os consideram como prioritários. Conseqüentemente, também não é conhecido pelo público em geral que, assim, não pode reivindicar este tipo de tratamento para os seus problemas.
PACIENTES TERMINAIS: UM CONCEITO DO SÉCULO XX
O conceito de paciente terminal é historicamente relacionado
com o século XX por causa da alteração das trajetórias das doenças que
em outras épocas eram fulminantes. Hoje, observa-se uma cronificação
das doenças, graças ao desenvolvimento da Medicina, da cirurgia e da
Farmacologia. Muitas doenças ainda não têm cura, como alguns tipos de
câncer, AIDS e moléstias degenerativas, mas em muitos casos pacientes
vivem muitos anos e necessitam de cuidados constantes. O doente passa
Tanatologia.pmd 95 25/03/2008, 12:3596 Tanatologia: vida e finitude
por vários estágios desde o diagnóstico, os tratamentos, a estabilização, a
recidiva e o estágio final da doença.
O rótulo “paciente terminal” é, muitas vezes, usado de uma
forma estereotipada com pacientes que apresentam doenças com prognóstico reservado, mesmo que estejam em fase de diagnóstico e de tratamento (KOVÁCS, 1992). Podemos exemplificar com o caso do câncer, em
que se passa a denominar, em qualquer fase da doença, o paciente
onc o l ó g i c o   c omo  pa c i ent e   t e rmina l .  O pr obl ema  de s t e   r ó tul o   é   a
estigmatização do paciente, que se vê inserido naquela situação em que
se diz: “não há mais nada a fazer”, e em que a morte é iminente. Esta
situação pode provocar uma série de outros problemas, num efeito halo.
O conhecimento do fato de que se trata de uma doença terminal
desencadeia no paciente, em sua família e na equipe de Saúde, aspectos
importantes a serem considerados. Existe um mito responsável por um dos
grandes medos do século atual que é o sofrimento na hora da morte. Há uma
crença de que o processo de morte é sempre acompanhado de dor e de
sofrimento insuportáveis. Esta situação faz com que muitas pessoas se afastem
de pacientes gravemente enfermos temendo se “contagiar” com o sofrimento
que percebem e contra o qual sentem que nada podem fazer. Estas crenças
são reforçadas por algumas experiências de se ver pessoas morrerem assim,
como no caso que apresentamos como exemplo. Os nossos hospitais estão
mais aparelhados para intervir em situações em que há uma possibilidade de
cura do que naquelas em que um cuidado mais voltado para as atividades
cotidianas de higiene e alimentação se faz necessário.
Pacientes passam por vários estágios em suas doenças, assim
especificados por Weisman (1972):
• Estágio 1: do início dos sintomas ao diagnóstico, muitas
vezes vivido como “sentença de morte”;
• Estágio 2: do diagnóstico aos tratamentos visando ao combate à doença com a possibilidade de cura;
• Estágio 3: estágio final, se não há possibilidade de cura.
Em cada um destes estágios, necessidades diferentes podem estar
presentes e devem ser cuidadas. Os pacientes em estágio terminal da
doença podem passar por vários sofrimentos, entre os quais podemos
Tanatologia.pmd 96 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 97
citar: afastamento da família, do trabalho, perdas financeiras, perda da
autonomia do próprio corpo, dependência, dor, degeneração, incerteza e
medo do sofrimento intenso. Podem também vivenciar dois processos de
luto: perda dos familiares e perda de si próprios.
Cada paciente, como pessoa, de acordo com sua história de vida e
características de personalidade, pode sofrer mais intensamente algum destes
aspectos mencionados. Problemas de comunicação podem se tornar mais
agudos nesta fase, com mensagens ambivalentes em que o conteúdo verbal de
boas notícias nem sempre é consistente com a comunicação não-verbal, como
semblantes carregados e olhos vermelhos. O conteúdo verbal pode ser censurado,
mas é virtualmente impossível controlar todos os movimentos, gestos e expressões
corporais. O paciente, angustiado com o que percebe em si, busca nas pessoas
a sua volta a confirmação de suas impressões. Nessa circunstância pode se
instalar um profundo sentimento de isolamento já que, numa tentativa de
manter a imagem de que tudo está bem, dificilmente uma comunicação real
se estabelece. Temas superficiais são muito freqüentes nestes momentos. O
paciente se sente isolado e não compreendido, mesmo que muitas pessoas
estejam a sua volta. São escondidos fatos como, por exemplo, o diagnóstico,
o agravamento da doença ou a efetiva possibilidade da morte (KOVÁCS, 1992).
Muitos pacientes gostariam de falar mais abertamente sobre sua
morte, temores e sofrimento nesta hora. Sabemos que há uma crença
arraigada de que a morte por câncer ou AIDS tem que ser muito sofrida.
Infelizmente, algumas mortes ainda o são, pelas mais diversas razões, mas
é importante saber que não precisa ser obrigatoriamente assim, e que o
paciente, a família e a equipe de Saúde podem trabalhar em conjunto para
favorecer uma morte com dignidade.
MORRER COM DIGNIDADE
Cada época tem como parâmetro uma forma de morte que aparece como a  mais desejada. Na Idade Média, por causa das guerras
e das doenças relativamente rápidas, a morte era esperada, familiar e
domada (ARIÈS, 1997). Era então muito importante morrer rodeado
das pessoas familiares, realizando as despedidas e firmando o testamento,
g a r a n t i n d o   a   c o n t i n u i d a d e   d e   s u a s   v o n t a d e s   a p ó s   a   s u a  mo r t e   e
efetuando a distribuição dos bens. O que se  temia nesta época era
Tanatologia.pmd 97 25/03/2008, 12:3598 Tanatologia: vida e finitude
morrer de forma repentina, isolado, sem que as pessoas percebessem.
Em contraposição, no século XX houve uma alteração na trajetória da morte, como já apontamos. Grande parte das doenças têm um
desenvolvimento lento, o tratamento pode ser demorado, bem como pode
ser associado com sofrimento e dor. É sabido que para muitos pacientes
oncológicos o tratamento é mais sofrido do que a própria doença. A
morte mais desejada de nossos tempos é a morte rápida, preferencialmente em que se esteja dormindo, sem consciência, a morte que nem se
percebe. A morte temida é a morte demorada, com intensa dor e sofrimento. As pessoas, muitas vezes, têm em seu registro de memória alguém
que tenha morrido desse modo.
Além destas formas, que caracterizam um tecido cultural da época
em que vivemos, cada sujeito idealiza de qual modo gostaria de morrer.
Quando estamos saudáveis não queremos falar sobre este tema, deixando
este assunto apenas para a hora em que isto se tornar realmente premente,
como é o caso do paciente com uma doença com prognóstico reservado
ou em estágio terminal. Neste caso, esta se torna uma questão vital.
Como afirmamos, é importante que a pessoa retome seu processo de
morrer e que participe, colocando o que é importante para que isto
aconteça. Embora haja uma mentalidade vigente em cada época histórica,
cada pessoa considera pontos essenciais para a sua qualidade de vida, e
estes podem ser muito particulares. Exemplificando: há pacientes que
gostam de muitas pessoas por perto, outros preferem ficar sozinhos, gostam
de ouvir música, preferem ficar dormindo, querem ler, querem comer
coisas gostosas e perigosas para o seu corpo, não querem comer nada,
querem ir para casa ou ficar no hospital, pois se sentem mais seguros lá.
Existe, de fato, uma gama variada de vontades, e nos parece
muito importante que sejam escutadas. Mesmo que um paciente esteja
próximo do processo de morrer, ainda está vivo, e é uma pessoa com
desejos. O resgate desse desejo favorece uma significação desta vida,
mesmo nos seus momentos finais. Não estamos propondo que se adivinhem os desejos do paciente, às vezes usando como referência nossos
próprios, mas sim escutá-los atentamente.
Muitos dos desejos destes pacientes podem ser executados sem
dificuldade. Alguns se referem a cuidados com o próprio corpo, presença
Tanatologia.pmd 98 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 99
de pessoas, ou alguma atividade ao alcance de quem está próximo. Outros
podem ser problemas mais complexos ou não realizáveis. Entretanto, é
fundamental, para toda e qualquer pessoa, ser escutada nas suas necessidades mais profundas, o que é ainda mais importante para o paciente
gravemente enfermo que se vê despojado de tantas coisas.
Uma das situações que mais agonia os profissionais de Saúde é
quando o paciente fala sobre o seu desejo de morrer, mais ainda, quando
pede que o profissional faça alguma coisa para apressar sua morte porque
não mais suporta viver. É freqüente vermos os profissionais tentando classificar
este pedido como um ato psicótico, ou depressivo, buscando providências
tais como dar medicação ou chamar um colega da área de Saúde mental.
Uma outra medida é reafirmar, prontamente, que este pedido não pode ser
atendido. Temos reforçado a importância de que este desejo, tal como todos
os outros, possa ser escutado e, se possível, ser mais explicitado. Isto é muito
importante porque a necessidade de ser compreendido e acolhido é essencial
para qualquer pessoa, e principalmente para o paciente em estágio terminal,
até porque se podem descobrir as razões mais profundas para tal pedido
como, por exemplo, de um cuidado mais específico com os sintomas
incapacitantes ou mesmo a necessidade de se ter certas pessoas por perto.
Pode ser também a necessidade de pôr fim a um sofrimento insuportável ou
de deixar de ser uma sobrecarga para a família. A escuta mais atenta não
implica obrigatoriamente em execução do pedido que está sendo feito, como
nos casos citados, mas poderá subsidiar o esclarecimento ao paciente da
impossibilidade específica de matá-lo ou apressar sua morte, contribuindo
inclusive para a compreensão de sua demanda.
 Após uma escuta mais atenta, podemos compartilhar a situação
com o paciente e perceber que se não pudermos fazer outras coisas para
aliviar o seu sofrimento, saberemos ao menos dividir o sentimento de
impotência por não poder fazer nada – o que é diferente de abandoná-
lo à própria sorte porque não se pode fazer nada.
Esta questão nos traz um ponto importante para ser discutido que
é a diferenciação dos termos eutanásia e morrer com dignidade. Pessini
e Barchifontaine apontam para uma distinção importante entre os conceitos deixar morrer em paz e eutanásia, citando o especialista em Ética
Javier Gafo.
Tanatologia.pmd 99 25/03/2008, 12:35100 Tanatologia: vida e finitude
O conceito de eutanásia envolve tirar a vida do ser humano por
considerações humanitárias, para aliviar o sofrimento e a dor. Hoje, não
se concebe mais a divisão entre eutanásia ativa e passiva. Atualmente, em
alguns países existe a proposição de se substituir o termo eutanásia pelo
direito de morrer com dignidade ou em paz. Morrer em paz se refere
“àquelas situações em que se toma a decisão de não continuar
mantendo a vida, suprimindo determinadas terapias ou não
aplicando-as a um enfermo em que não existem possibilidades de
sobrevivência, seja porque ele próprio expressou sua vontade
explicitamente ou porque se pode pressupor” (PESSINI &
BARCHIFONTAINE, 1994).
Podemos ver que se trata de conceitos de fronteira, pontos polêmicos que exigem profundos debates, envolvendo discussões sobre direito individual e lei. Envolvem desejos, anseios, decisões e escolhas. Envolvem conflito e, portanto, além de questões morais, relacionam-se com
aspectos éticos. Os argumentos variam. Para aqueles que são favoráveis à
vida a todo custo, o desligamento dos aparelhos, mesmo em pacientes
com condições irreversíveis, é visto como eutanásia. Os que são favorá-
veis a um processo de morte com dignidade vêem o prolongamento dos
tratamentos em situações irreversíveis como um atentado à vida. São
várias as considerações e respostas, dependendo do ângulo sob o qual a
questão é encarada, e envolvem diversos personagens: o paciente, seus
familiares, a equipe de atendimento e a instituição de Saúde.
Um outro conceito importante e talvez não tão conhecido é o da
distanásia, que implica em um processo de morte doloroso e prolongado.
Observa-se o que chamamos de distanásia em diversos hospitais modernos, onde as ações executadas têm a intenção de manter o máximo de
tempo possível a vida do paciente, mesmo quando o caso é irreversível.
Em alguns casos, chega a beirar as raias do absurdo, configurando a
situação que relatamos no começo deste artigo.
Quanto mais aparelhado o hospital, maior risco de se proceder
à distanásia, mesmo porque a família, no seu afã de salvar o paciente,
pede que se faça tudo para mantê-lo vivo. Muitos profissionais também
Tanatologia.pmd 100 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 101
se colocam nesta situação, podendo se sentir ameaçados ao pensarem que
não fizeram tudo por seus pacientes. Este procedimento é certamente
louvável dentro do razoável e do sensato, mas pode descambar para posturas pirotécnicas e heróicas, com o argumento de que tudo deve ser feito
para prolongar a vida, submetendo o paciente a um sofrimento atroz e
intolerável.
Eutanásia, suicídio assistido, distanásia, morrer em paz e com
dignidade são conceitos que demandam explicitação e reflexão. Urge,
neste final de século e milênio, a abertura de espaços públicos para a
discussão destes pontos.
BIOÉTICA – UMA QUESTÃO DE VIDA E DE MORTE
Segundo Segre e Cohen (1995), quando se pensa em Ética, três
aspectos estão envolvidos: percepção de que há conflito – portanto, com
a implicação de que é uma situação que leva a um certo impasse, com
várias respostas possíveis –, autonomia, coerência.
A Bioética é um ramo da Ética que enfoca questões referentes à
vida humana e, conseqüentemente, à morte. Propõe questões relativas a
variadas situações, inclusive a que tratamos neste artigo, referente ao
processo de morrer com dignidade. É uma especialização multidisciplinar
e deve envolver profissionais da área de Saúde, de Educação, de Filosofia,
de Direito e de Teologia.
Cohen e Marcolino (1995), ao discutirem a relação médico–
paciente, retomam o conceito de autonomia e de paternalismo e o princípio da beneficência. Procuraremos, então, transportar algumas das idéias destes autores para o problema que estamos abordando, que é a dignidade no processo de morrer e a possibilidade de participação ativa do
paciente gravemente enfermo neste processo, com direito a escolhas.
Ao abordar o conceito de autonomia, estes autores se referem
aos extremos, exemplificando: numa relação totalmente autonômica, os
participantes estão numa posição simétrica, envolvendo uma condição de
i gua ldade   e   l ibe rdade .  No   out r o   e x t r emo ,   enc ont r amo s   a  po s i ç ã o
paternalista, uma relação assimétrica, na qual fica evidente uma desigualdade: de um lado, o poder; de outro, a submissão. Entre esses dois
extremos ocorrem várias gradações e relações complementares.
Tanatologia.pmd 101 25/03/2008, 12:35102 Tanatologia: vida e finitude
É preciso ressaltar que para que a autonomia seja exercida é
importante que ela seja reconhecida, que exista competência para tal, e
que de fato existam opções e escolhas.
Consideremos a situação, de um lado o paciente em estágio
terminal da doença; de outro, a equipe de Saúde. As perguntas que
surgem são as seguintes: terá o paciente condição de decidir como deseja
viver seus últimos dias, o que deseja comer, quem gostaria de ter próximo
de si, quais as atividades de lazer que gostaria? Outras decisões envolvem
providências mais elaboradas, como, por exemplo: poderá o paciente ser
tratado em casa ou isto tem que ser feito no hospital? Talvez a questão que
melhor ilustre estes pontos que estamos discutindo envolva a continuidade
ou não de certos tratamentos, quem decide, sob que critérios? É uma
decisão individual ou envolve várias instâncias?
Vamos considerar a questão dos tratamentos recomendados a
pacientes sem possibilidade de cura, cujo objetivo pode ser o alívio e
controle de sintomas ou o prolongamento da vida. Temos que lembrar que
em algumas doenças, como no caso do câncer, os tratamentos têm efeitos
secundários que podem afetar a qualidade de vida. Um exemplo típico
desta discussão é a quimioterapia para certos tipos de tumores. Como
apontamos anteriormente, para o exercício da autonomia deve haver a
possibilidade de escolha, e essa, muitas vezes, está acompanhada de conflito. Então, devemos considerar dois pontos:
• o tratamento prolonga a vida, mas pode interferir na sua
qualidade;
• a interrupção do tratamento pode diminuir o tempo de vida,
mas pode dar mais qualidade de vida.
Trata-se de situações conflitantes que envolvem diversos personagens – paciente, familiares e equipe de atendimento, bem como a instituição hospitalar – e podem merecer diversos tipos de resposta. Numa
relação simétrica, esta decisão envolve todos os agentes desta situação em
uma ação conjunta que deve levantar os prós e os contras de cada uma
das opções. Infelizmente, não é o que observamos na maior parte dos
casos. É mais freqüente uma posição paternalista por parte da equipe de
atendimento, baseada somente na questão da beneficência, ou seja, o que
Tanatologia.pmd 102 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 103
se imagina como bem-estar para o paciente, que poderia ser traduzido da
seguinte forma:
“Eu sei o que é bom para você. E você não tem condição de saber
porque eu sou o médico, eu estudei e sei”.
Uma parte da afirmação é verdadeira, mas a outra pode não ser:
“Você não pode saber porque não é médico”.
O paciente, como pessoa, tem todas as condições para saber o
que é melhor para si. O conceito de autonomia na relação médico–
paciente implica em que ambas as partes são competentes e podem avaliar
as opções possíveis e fazer uma escolha consciente.
Um outro ponto a ser discutido é que, em certos casos, a escolha
só poderá ser feita se o paciente for devidamente instruído. Por este
motivo, os procedimentos a serem realizados têm que ser explicados de
maneira clara e compreensiva. Sabemos que o médico e a equipe só
podem realizar certos procedimentos mediante o consentimento do paciente. Mas, perguntamos, será que de fato isto é cumprido? Quando consideramos a questão da autonomia e da competência do paciente parece
que estas são mais facilmente aceitas quando a opinião do médico e do
paciente são coincidentes. As coisas parecem se complicar bastante quando essas opiniões são discordantes e quando o paciente não quer se
submeter a certos tratamentos, e se esta decisão envolve o risco de morte.
E, volta a questão, o que é mais importante para o sujeito: uma vida com
mais qualidade, embora mais curta, ou uma vida mais longa, com sofrimento e limitações?
O que se observa, em muitos casos, principalmente nas classes
desfavorecidas, é que o paciente está ignorante de sua situação, não sabe
o que está acontecendo. Geralmente, os procedimentos são apresentados
a ele, mas, devido à linguagem utilizada, pode não compreendê-los. Em
outros casos, é atribuída ao médico a competência total e por isto não
deve ser jamais questionada a sua ação. Alguns pacientes têm a fantasia,
e em alguns isto é até realidade, de que se contestarem o médico sofrerão
o risco de não mais ser atendidos, ou ser abandonados ou encaminhados
a outro profissional. É sabido que muitos pacientes se sentem muito
agradecidos por estar sendo atendidos e por isto acham que não têm o
direito de exercer sua autonomia.
Tanatologia.pmd 103 25/03/2008, 12:35104 Tanatologia: vida e finitude
Como dissemos, para que a autonomia seja exercida é necessário
que o paciente esteja instruído, que tenha as informações necessárias para
tomar uma decisão. Para isso, é preciso que:
• sinta-se competente, capaz de tomar a vida como sua responsabilidade e queira fazê-lo;
• as pessoas a sua volta e, principalmente, a equipe de Saúde
possam lhe conferir essa competência.
Estes dois pontos envolvem também uma mudança da mentalidade vigente na equipe de Saúde e nas instituições hospitalares – a de que
o médico é o único depositário do saber – e da visão paternalista de que
somente ele conhece o que é bom para seus pacientes. Outro ponto que
deve ser considerado é o de que muitos pacientes, principalmente nos
hospitais públicos, são de nível cultural mais baixo e assim têm uma
filosofia de conformidade e resignação de que nada devem reivindicar
para si. Vemos então que esta mudança de mentalidade envolve os dois
pólos da questão: o médico paternalista e o paciente submisso.
Quando falamos em pacientes gravemente enfermos, as questões
giram em torno de temas delicados como a interligação entre vida e
morte. Não está em jogo a cura e sim a possibilidade de estancamento
da doença e o prolongamento da vida. Esta seria a opção óbvia, se não
fosse à custa de tratamentos acompanhados de efeitos secundários, causadores de grandes sofrimentos, mal-estar e limitações.
Alguns familiares pedem para que se realize tudo o que é possível
para manter o paciente vivo mesmo que isso incorra em muito sofrimento, em alguns casos envolvendo imensos gastos financeiros. Este é também
o pedido de alguns pacientes.
Por outro lado, a não continuidade dos tratamentos pode implicar em menos tempo de vida, em muitos casos com mais qualidade, o que
pode parecer uma solução mais plausível para muitos pacientes que gostariam de viver seus últimos momentos de vida com bem-estar e dignidade. Pode haver um agravante nessa situação que envolve os conceitos
fronteiriços de eutanásia e de suicídio assistido. Profissionais que não
fazem “tudo o que é possível” podem ser acusados pelos familiares ou pela
sociedade de “assassinar” seus pacientes. Embora hoje esta questão esteja
Tanatologia.pmd 104 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 105
sendo relativizada pelo que se denomina como bom senso e pelo desenvolvimento da área de cuidados paliativos, ainda está longe o consenso e
muitas dúvidas permeiam este campo. Não são decisões simples, elas
demandam uma discussão ampliada, incluindo os vários setores diretamente envolvidos, bem como a sociedade como um todo.
Estivemos falando até agora da possibilidade de se capacitar o
paciente para que possa exercer a sua autonomia. Entretanto, há situações
em que isto não é possível, pois este não se encontra em condições de
decidir, uma vez inconsciente ou demenciado. Nesse caso, o envolvimento
se restringe à família e à equipe, e o princípio que deve predominar é o
da beneficência, que é um conceito relativo, já que a noção de beneficência é muito variável para cada ser humano.
Gostaríamos de incluir um outro ponto que consideramos relevante nessa situação: se o paciente se encontra inconsciente ou demenciado,
ele já pode ter expresso a sua vontade em outras ocasiões. Lembramos o
caso do Sr. X, impossibilitado de se comunicar por ocasião do seu derrame, porém já tendo se manifestado anteriormente quanto a sua vontade
de que nenhuma intervenção fosse efetuada após os seus ataques cardíacos. Não deveria a sua vontade anterior prevalecer neste caso? Não ser
encaminhado à UTI, não ser alimentado artificialmente, não ser mantido
vivo por aparelhos, não ter as suas mãos amarradas!
O que agrava todas estas situações é a possibilidade da morte.
Tem o paciente a possibilidade de optar por morrer, tem ele o direito de
pedir que não se faça nada de extraordinário? Tem ele o direito de que
o médico o atenda desta forma? Deve o médico atender ao pedido do seu
paciente? Tem o médico o direito de intervir mesmo contra a vontade do
paciente? Quem será acusado de quê?
Há uma legislação em vigor, que está sofrendo alterações, e uma
sociedade passando por grandes modificações. Na entrada do novo milê-
nio, em conjunto com os grandes avanços da ciência e da tecnologia,
torna-se urgente um profundo debate sobre a Ética que norteia decisões
desse tipo. Mais do que a ciência e a lei, busca-se a compreensão do
profundo drama humano que envolve a vida e a morte, mas principalmente conceitos como liberdade e dignidade. Estes são conceitos universais,
mas que têm para cada ser humano significados muito particulares, que
em momentos-limite adquirem fundamental importância.
Tanatologia.pmd 105 25/03/2008, 12:35106 Tanatologia: vida e finitude
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Tanatologia.pmd 106 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 107
3.1.3 Morrer com dignidade
A morte faz parte da vida. Todos vamos morrer, esse é um fato
tão natural quanto o nascer e crescer, porém a idéia de finitude nos deixa
em constante ansiedade, o que resulta muitas vezes na negação e não
aceitação do que é certo. A imortalidade é o maior sonho do homem.
Toda essa evolução da tecnologia aplicada na Medicina tem como objetivo
a realização deste sonho. O momento que pode ser precedido de sofrimento prolongado é muito polêmico por ter várias interpretações do
ponto de vista ontológico e filosófico. É sobre a libertação do sofrimento
da vida que nos leva a refletir sobre eutanásia, distanásia e ortotanásia. A
Bioética e as crenças religiosas são essenciais para a humanidade quanto
à escolha e aplicação destas finalizações.
Eutanásia consiste na prática da morte visando atenuar os sofrimentos do enfermo e de seus familiares, tendo em vista a sua inevitável
morte, sua situação incurável do ponto de vista médico. Hoje muito discutida, e já legalizada pela Holanda, a eutanásia é considerada ilegítima.
Distanásia se trata da atitude médica que visa salvar a vida do
paciente terminal submetendo-o a tratamento fútil, insistente, desnecessá-
rio e prolongado, causando grandes sofrimentos. Na Europa, fala-se em
“obstinação terapêutica”, nos Estados Unidos, “futilidade médica”. Ocorre
prática da distanásia devido a fatores familiares (herança), fatores políticos
(como chefes de Governo) ou outros, sem respeitar a dignidade humana.
No Brasil, assim como em outros países, conhecemos seu emprego nas
Unidades de Terapia Intensiva. A quem interessa este tipo de conduta?
Certamente não é ao paciente que em sua maioria morre nos hospitais,
na frieza dos cuidados intensivos não mais necessários à reversão da
patologia.
Ortotanásia significa “morte no tempo certo”, sem prolongamentos desproporcionados do processo de morrer. Consiste na aceitação de
que a vida tem um fim e de que a morte é um fenômeno natural.
Quanto ao aspecto ético, fica claro que o médico não tem o
direito de contribuir para a morte do paciente, conduta que é contrária
a sua formação moral e seu compromisso profissional. Concluímos ser a
eutanásia um procedimento contrário à doutrina hipocrática. A capacidaTanatologia.pmd 107 25/03/2008, 12:35108 Tanatologia: vida e finitude
de científica e ética do médico será essencial na questão da distanásia. Tratase de um comportamento ilícito e antiético. A ortotanásia é a atitude mais
aceita e compreendida pela sociedade e traduz a morte mais humana.
É   e s s e n c i a l   d a r   q u a l i d a d e   à   v i d a   t e rmi n a l ,   p o r  me i o   d a
ressocialização da morte, dos cuidados paliativos e da terapia de acompanhamento. Na ressocialização, o paciente, quer nos hospitais ou no seu
lar, morre envolvido no amor dos seus familiares. Os cuidados paliativos
constituem uma obrigação na assistência aos pacientes terminais. O acompanhamento pelos profissionais de Saúde promove confiança e aceitação
serena da morte.
Sobre estas atitudes devemos refletir para não fugirmos dos objetivos da Medicina e dos preceitos religiosos de cada pessoa. Nas escolas
de Saúde nos ensinam sobre o nascimento, doenças e condutas terapêuticas, porém não nos educam sobre a morte, o que nos deixa despreparados
para uma fatalidade comum na vida do profissional de Saúde.
Morrer com dignidade é ser respeitado como ser humano pleno
de corpo, alma e espírito. Se tivermos dificuldades na compreensão do
direito de morrer de forma digna, é apenas necessário lembrar-nos de que
para nós a morte também faz parte da vida.
3.1.4 O  profissional de Saúde e a morte
Antigamente, o paciente em fase terminal morria em sua própria
casa, lentamente, onde tinha tempo para se despedir e passar seus últimos
momentos com seus familiares. Nossa cultura científica e objetiva por
excelência, muitas vezes acaba por deixar pessoas morrerem sozinhas, na
assepsia fria dos hospitais, e experimentando, como último sentimento,
um dos medos mais primitivos do ser humano: a solidão.
Com o desenvolvimento científico, morrer se tornou solitário e
desumano. Geralmente, o doente, cognominado Doente 620-C ou Doente
do Box 3-B, é confinado ao seu leito, onde aguarda a morte chegar, estando
as pessoas seriamente preocupadas com o funcionamento de seus pulmões,
secreções, pressão venosa central, traçado eletrocardiográfico, etc.
Diante do paciente terminal, quando a Medicina já sabe que a
doença venceu a guerra, não cabe mais ao médico a tentativa de cura,
Tanatologia.pmd 108 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 109
muitas vezes extremamente sofrível e estéril, mas assistir, servir, confortar
e cuidar. Se pretendermos ajudar alguém nessa fase, seja terapeuticamente,
medicamente ou humanamente, deveremos nos informar e nos preparar
para lidar com a morte (BALLONE, 2002).
31
3.1.5 O  que podemos fazer
G. J. Ballone
32
A dificuldade do ser humano em geral, e particularmente do
profissional de Saúde, em lidar com a morte pode ser trabalhada e melhorada. Com isso, pode haver mais qualidade de vida para todos os
envolvidos na questão,  o próprio paciente, os familiares, o médico e toda
a equipe.
Inicialmente, é claro, o maior investimento deve ser dirigido ao
paciente, deve pretender melhorar o conforto e mais qualidade de vida
para quem agoniza, mas, em seguida, como “a morte é para quem fica”,
os familiares e os próprios profissionais envolvidos com o morrer cotidiano devem ser acudidos.
O ser humano normalmente recebe alguma preparação antes
mesmo de vir ao mundo. O bebê, de uma forma ou de outra, uns mais
outros menos, tem sua chegada preparada. Aí, então, a criança é preparada para ficar maiorzinha, para entrar na pré-escola, para entrar na
escola. Preparam-se, uns mais outros menos, para a adolescência e, na
família ou fora dela, para ser jovem, depois adulto. O adulto é preparado,
pela própria vida, uns mais outros menos, para a velhice. Mas, raramente
alguém é preparado para a morte.
Por isso, primeiramente, o profissional de Saúde deve se preparar
para lidar com a morte, ele próprio, quando esta pode ser uma ocorrência
comum no ambiente de trabalho. Além disso, para poder ajudar os outros, deverá conhecer e estudar a Tanatologia, conhecer a reação psicoló-
gica da perda de algo (pessoa, situação etc.), saber identificar o luto
31 Disponível em: <http://gballone.sites.uol.com.br/voce/morte2.html>.
32 Disponível em: <http://gballone.sites.uol.com.br/voce/morte2.html>.
Tanatologia.pmd 109 25/03/2008, 12:35110 Tanatologia: vida e finitude
normal e o patológico, e entender como crianças, adolescentes, adultos e
velhos reagem à morte e às perdas da vida.
Notamos a falta de preparo das equipes de Saúde quando existe no
ambiente hospitalar um temor pela morte, como se tratasse de um forte
potencial de “contágio”. Esse aspecto temerário e despreparado explica a
solidão e a frieza das Unidades de Terapia Intensiva, onde muitas vezes os
doentes terminais morrem sem a chance de dizer uma última palavra aos
que amam e sem estes lhes ofereçam qualquer conforto emocional.
Para a formação do médico uteísta, preocupa-se muito em treiná-
l o   p a r a   p a s s a r   um  “ i n t r a c a t ” ,   a   i n t e r p r e t a r   uma   g a s ome t r i a ,   um
eletrocardiograma ou um exame de fundo-de-olho. Estes são, sem dúvida,
requisitos indispensáveis para salvar vidas. Mas quando tudo isso não for
suficiente e o paciente insiste em não reagir, o médico versado nas urgências e emergências não costuma saber mais o que fazer, não sabe segurar
a mão agonizante, falar palavras de apoio, conforto e carinho.
É claro que, sendo assim, morrer no hospital é muito mais
sofrível, dá muito medo. A quase ausência total de auxílio emocional
(espiritual) para aqueles que vão morrer não pode ser justificado pelo
apego acadêmico à ciência, pois o cuidado afetivo e espiritual é um
direito essencial de todo ser humano. Não é de forma alguma incompatível que se ensinem técnicas da Medicina moderna aos jovens médicos
que se formam, simultaneamente aos preceitos milenares do humanismo
caridoso e fraterno.
3.1.6 Aprendendo a morte para ajudar melhor
G. J. Ballone
 33
Embora muitas pessoas que lidam com pacientes terminais insistam em fazer de conta que não sabem, a maioria dos pacientes em estado
terminal procura falar sobre a angústia da morte, a maioria deles quer ser
ouvida, quer ser confortada, quer encontrar na humanidade algum apoio
que muitas vezes nunca teve durante seus anos de saúde.
33 Disponível em: <http://gballone.sites.uol.com.br/voce/morte2.html>.
Tanatologia.pmd 110 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 111
Ler, saber e se preparar para tratar desse tema pode melhorar o
atendimento às pessoas terminais, pode melhorar os sentimentos do pró-
prio profissional que lida com isso.
Como o conceito puramente biológico, mecânico e materialista
da morte nos dá angústia e a sensação incômoda de finitude, o ser
humano tende a analisar a morte filosoficamente, criando aspectos que
transcendem aqueles puramente biológicos. E, filosoficamente, a morte é
vista de maneira diferente segundo diferentes grupos sociais e de acordo
com diferentes aspectos religiosos, éticos e culturais.
Tanto a Filosofia quanto as  boas religiões podem ser úteis na
hora da morte. Evidentemente, as seitas que submetem o futuro morto
a uma espécie de vestibular para o céu não contribuem em nada, pelo
contrário. No budismo, assim como na tradição cristã, o desapego
material é uma condição essencial para uma morte mais serena e sem
grande angústia.
Portanto, para viver momentos terminais sem o terror, temor e
tormento da idéia do fim e da perda, é necessário cultivar um certo
desapego em relação à vida, é necessário ter a consciência de que na
morte não podemos levar nada conosco; nem os bens, nem os amigos,
nem os diplomas, nem o sucesso. Deixar de ser para essas coisas significa, obrigatoriamente, que essas coisas também deixam de ser para
quem vai morrer.
A consciência da finitude humana, particularmente a consciência
de sua própria finitude por parte de quem vai morrer, melhora a vida e
estimula um redimensionamento dos valores. A atitude psicoterápica (que
não é monopólio dos psicoterapeutas) pode ajudar nessa fase de re-valorização da vida, pode ajudar a despertar valores que tornam o viver, ainda
que breve, mais pleno e sereno.
O simples fato de estar vivo habilita o sujeito às leis da existência, as quais determinam o seu próprio término. Alivia, portanto, aceitar
a transitoriedade da vida e da condição de existência humana. E essa regra
se aplica a todos, ao paciente, ao médico, ao Presidente da República e
a todos os bilhões de pessoas desse nosso planeta. Convém ter sempre em
mente que ninguém pode mudar o fato de que um dia vai acabar, mas
podemos mudar o modo de nos relacionarmos com essa realidade.
Tanatologia.pmd 111 25/03/2008, 12:35112 Tanatologia: vida e finitude
O exercício espiritual, conduzido, promovido e assistido pelo
médico, pelo religioso, pelo familiar, pelo amigo ou por qualquer pessoa
disposta a isso, facilita a aceitação gradual da morte como conseqüência
da própria vida.
O perfil e a sensibilidade afetiva de cada um, bem como o
conjunto das experiências vividas, têm papel importante na lida com a
morte. O fenótipo, que é a somatória dos genes da personalidade com a
influência do destino sobre eles, pode tanto potencializar o medo da morte
quanto ajudar a conviver melhor com a consciência da finitude.
Psicodinamicamente, o empenho do terapeuta está em desfazer
na medida exata o culto ao ego que há dentro de cada um de nós. Esse
culto ao ego é que faz com que a pessoa acredite e aceite a morte dos
bilhões de seres humanos do mundo, menos a sua própria. Para ele não
existe o curso natural dos acontecimentos biológicos a que todos seres
viventes estão sujeitos. É o culto ao ego que faz o indivíduo se colocar
sempre acima do todo a que pertence.
Ao não conseguir se colocar na intimidade do todo, do comum,
do normal, esse ego sofre exagerada e desnecessariamente para aceitar a
parte que lhe cabe. Na vida, quanto mais a pessoa pretende se destacar
dos demais (independente do mérito ou demérito disso, que não vem ao
caso agora), mais ela sofre com a ausência de solidariedade e com o
isolamento que a morte impõe, obrigatoriamente. As pessoas não costumam ser solidárias o suficiente para morrer juntas com as outras.
A Filosofia pode favorecer maneiras de lidar melhor com a morte.
Sócrates, antes de morrer, condenado que foi a tomar um veneno letal,
deixou um bom estímulo à reflexão: “Porque morrer é uma ou outra
destas duas coisas. Ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja. Ou, como se diz, a morte
é precisamente uma mudança de existência e uma migração para a alma,
deste lugar para outro”.
Isso quer dizer que as duas maneiras de considerar o problema
podem ser satisfatórias. Para quem não acredita na continuação da vida, a
morte é o nada, é a ausência completa de angústias e desesperos, portanto,
ao contrário do sofrimento, é o fim das aflições. E, para quem acredita na
continuação da vida, a morte é a passagem desta existência para outra
melhor. De qualquer forma, a dor estaria na vida e não na morte.
Tanatologia.pmd 112 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 113
Ao terapeuta terminal cabe escolher a melhor situação ideológica
que atende à pessoa terminal. Preferentemente, devido à sensibilidade
natural das pessoas e às influências culturais, o apelo religioso deve ser
considerado em primeiro lugar.
Independente da crença religiosa, a maioria das doutrinas ajuda a
superar a angústia em relação à idéia de finitude, ajuda a encontrar respostas sobre por que se vive, por que se morre e o que acontece após a morte.
Excetuando as crenças de teor punitivo, que normalmente atendem mais à
aspiração de vingança do ser humano rancoroso do que a uma sólida base
teológica, a maioria das doutrinas conforta e consola diante da morte.
A maioria das religiões supõe uma outra vida que se segue à
morte, existiria então uma continuidade da mente, da alma, do espírito,
enfim, haveria a continuidade de alguma coisa que convalida a pessoa e
a vida atuais. A visão espiritual da morte implica viver em função dessa
continuidade, a qual, além de nos tornar mais responsáveis pelas conseqüências dos nossos atos, sugere a noção de desapego às coisas que
deixamos com a morte.
Não havendo possibilidade religiosa para confortar diante da morte,
existe a visão materialista, em oposição à visão espiritualista. Para a visão
materialista dos filósofos iluministas do século XVIII, a morte é o fim
total e absoluto, é nada mais do que a interrupção de um processo
neurofisiológico, um mero evento biológico. Esse enfoque vem desde
Epicuro, para quem a morte se caracterizaria pela ausência de sensações,
pois o morto não sente. Seguindo esse raciocínio, não deve ser boa nem
ruim a morte, uma vez que só há bom e ruim na sensação, e a morte é
ausência de sensação.
De fato, as sensações representam a porta de entrada de nossa
consciência, a qual nos dará a noção de nosso sujeito (nosso corpo) e de
nosso objeto (do mundo ao qual contatamos pelas sensações). Como a
morte é ausência das sensações, e estas representam a fonte de todo o
prazer e de toda dor, não pode haver nada de bom nem de ruim, nem
prazer nem dor, depois da morte.
O comportamento humano, maniqueísta, sugeria que podíamos
viver, agir e aproveitar os prazeres da vida sem temer nenhuma punição
depois, sem temer a morte, porque a morte não é nada para quem está
Tanatologia.pmd 113 25/03/2008, 12:35114 Tanatologia: vida e finitude
vivo, pois quando existimos a morte não existe, e quando a morte está
presente, deixamos de existir.
No entanto, apesar do discurso materialista sobre a morte apelar
fortemente para a razão, esforçando-se em deixar a emoção de lado, no
ser humano normal o medo de morrer pode gerar um apego muito forte
aos elementos do cotidiano, um desespero diante da possibilidade de
perder tudo o que colecionou durante a vida com a morte. Outra contribuição ao medo da morte, além dessa noção materialista de perder tudo,
é a cultura ocidental, com sua obsessão pela idéia do ser jovem como
metáfora de vida saudável.
3.2 Bioética – conceitos básicos e definições
A expressão “Bioética”, cunhada no início da década de 1970,
tinha como objetivo alertar sobre o uso indevido dos avanços da Biologia
Molecular. Proposta originalmente por Van Rensselaer Potter, Doutor em
Bioquímica, Pesquisador e Professor na área de Oncologia no Laboratório
McArdle, da Universidade de Wisconsin (Estados Unidos), a Bioética se
preocupava com a interação do problema ambiental às questões de Saúde.
Passadas mais de três décadas, o termo passou a designar a Ética
nas ciências da vida, da Saúde e do meio ambiente. O exercício da
B i o é t i c a   e x i g e   i n c o r p o r a ç ã o   c r í t i c a   d e   n o v o s   c o n h e c i m e n t o s ,
i n t e r d i s c i p l i n a r i d a d e ,   p l u r a l i s m o ,   h u m i l d a d e   e   r e s p o n s a b i l i d a d e ,
potencializando o senso de humanidade. Os aspectos religiosos ou espirituais devem estar também inclusos em uma reflexão bioética, sempre
preservando o caráter plural da discussão e não assumindo uma posição
sectária (COELHO, 2006).
34
34 COELHO, Antonio Carlos. Disponível em: <http://www.cienciaefe.org.br/jornal/E71/
mt06.htm>.
Tanatologia.pmd 114 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 115
3.2.1 Velhos temas, novas  perplexidades
Vicente de Paula Barreto
35
A Bioética é um ramo da Ética filosófica, fruto de um tempo,
de uma cultura e de uma civilização. Quando falamos em Bioética,
estamos tratando de uma área de conhecimento nascida há somente
cerca de meio século, ainda que alguns de seus temas centrais – a saúde,
a vida e a morte – tenham a ver com as origens da reflexão filosófica
e da Medicina na cultura do Ocidente. O Juramento Hipocrático na
Grécia Antiga foi a primeira formulação de um sistema normativo no
qual se reconhecia a relação necessária entre a prática da Medicina e a
conseqüente busca da cura das doenças, com o respeito aos valores da
pessoa humana. Desde o século V a.C., a prática médica teve um
referencial ético, que se constituiu na base dos modernos Códigos de
Ética Profissional, o  corpus da deontologia médica. A Medicina, portanto, mesmo quando – ainda no tempo de Hipócrates – lutava para ver
reconhecida o seu status científico ao rejeitar as explicações “sobrenaturais” para as doenças, tinha presente a dimensão moral do ser humano. O termo “deontologia” ou “ciência do dever”, entretanto, somente
veio a ser cunhado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham, em 1834,
quando tornou sinônimas a Ética, ou o conhecimento científico sobre
a moralidade, e a ciência do que é necessário ser feito.  Deontology or
the Science of Morality, como se intitula o livro do filósofo inglês, pretendia, precisamente, criar uma nova área da Filosofia que deveria tratar
da ciência ou teoria (logos) do que é necessário ser feito (do grego deon).
O termo deixou de ter suas características filosóficas, extensivamente
durante o século XIX, ao ser aplicado para significar os Códigos de
Ética Profissional que não são produtos de uma reflexão ético-filosófica.
O paradigma ético-profissional da Medicina, estabelecido na Grécia
Antiga, daria sinais de esgotamento normativo durante a segunda metade
do século XX, no quadro do chamado “vazio ético” em que mergulhou a
civilização tecnocientífica da modernidade. A diversidade dos problemas
35 Disponível em:  <http://www.dhnet.org.br/direitos/direitosglobais/paradigmas_textos/
v_barreto.html>.
Tanatologia.pmd 115 25/03/2008, 12:35116 Tanatologia: vida e finitude
morais, que atingiu o seu paroxismo na própria negação da existência de
qualquer valor ético universal entre os homens, surgiu em todos os aspectos da civilização tecnocientífica, mas encontrou campo fértil nas indaga-
ções suscitadas pela Bioética, na qual a empiria exigia de forma urgente,
e mais do que em outras áreas do conhecimento, a reflexão ética.
Para que se possam entender os problemas e as perspectivas da
Bioética contemporânea, torna-se necessário, preliminarmente, estabelecer-se as relações entre a crise cultural dessa forma civilizatória e a
conscientização moral crescente da sociedade que encontra na Bioética
uma de suas principais manifestações. Nesse sentido é que se pode afirmar ser a Bioética o mais novo ramo da Filosofia Moral, por ter surgido
da necessidade de se estabelecer princípios racionais que explicassem e
fundamentassem o comportamento do homem face a novos conhecimentos e tecnologias. E somente poderia ter ganho corpo científico no quadro
de uma específica cultura e civilização, pois a Bioética extravasou da
análise médico–paciente e atingiu todo o contexto que envolve os problemas da vida, da saúde, da morte e das tecnologias a elas relativas.
O fenômeno cultural e de civilização denominado de Tecnociência
ocorreu de modo progressivo a partir do século XVII, quando se processou uma radical mudança no paradigma do conhecimento humano,
provocada pelo advento da ciência galileiana da natureza. O novo tipo de
conhecimento consagrou os modelos operativos, tanto teóricos quanto
técnicos, fazendo com que houvesse “uma perfeita homologia na ordem
do conhecer e do fazer, entre o ser humano e o mundo por ele transformado” (LIMA VAZ, 1998). A tecnocivilização modificou, portanto, não
somente a forma do conhecimento humano, mas também o próprio estatuto natural da situação do homem no mundo ou, como dizem os
filósofos, do nosso ser-no-mundo. O homem deixa de ser um agente
exclusivamente voltado para dominar e controlar o mundo que o cerca,
passando a receber desse domínio uma influência reflexa que irá alterar
o próprio estatuto da sua humanidade. Por essa razão, alguns filósofos
contemporâneos (JONAS, 1995, 1998; HOTTOIS, 1993) procuram demonstrar que a Ética contemporânea exige uma fundamentação que não
se esvai na prática de tal ou qual virtude ou na observação de tal regra.
No contexto dessa civilização tecnocientífica é que se afirma ser a Bioética
Tanatologia.pmd 116 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 117
o campo próprio para repensar a Ética, pois o material de reflexão do
novo ramo da Filosofia Moral trata com o nascimento de uma nova
humanidade e de uma nova natureza. A interferência do homem no
mundo que o cerca modifica não somente o mundo, mas o próprio
homem, que se vê diante de possibilidades até então desconhecidas, como
são as advindas dos novos conhecimentos proporcionados pelas ciências
biológicas. São conhecimentos que não se restringem à explicação do
mundo natural, mas que apontam para mudanças no próprio ser humano.
O desenvolvimento das ciências e das técnicas nos dois últimos
séculos trouxe consigo desafios que têm a ver com o surgimento de novos
tipos de relações sociais no quadro cultural da tecnocivilização. O
renascimento do debate ético em todos os domínios da atividade humana
talvez encontre a sua explicação final na necessidade da consciência do
homem contemporâneo em se situar face ao fato de que o paradigma
científico domina cada vez mais as forças da natureza e, ao mesmo tempo,
interfere de forma crescente no mundo natural, suscitando problemas que
não encontram respostas no quadro da própria cultura tecnocientífica,
onde surgiram e se desenvolveram. A principal dessas intervenções é a que
ocorre no corpo das ciências biológicas, onde o homem, ao ampliar o seu
domínio sobre a natureza, intervém na sua própria condição natural de
pessoa e possibilita a implantação de tecnologias sem previsão quanto às
suas conseqüências. Por lidar com esse novo tipo de conhecimento, o
homem contemporâneo se interroga de forma crescente sobre as dimensões, as repercussões e as perspectivas das novas descobertas científicas e
de suas aplicações tecnológicas.
A Bioética nasce, assim, como uma resposta a desafios encontrados no corpo de uma cultura, de um paradigma do conhecimento humano
e de uma civilização. Antes de tudo, é a expressão teórica da consciência
moral de um novo tipo de homem no seio de uma nova cultura e civilização. Distingue-se, portanto, de uma Ética estritamente profissional,
pois trata da análise teórica das condições de possibilidade dos valores,
no rma s   e  pr inc ípi o s   que  pr o cur am  o rdena r   o   a v anç o   c i ent í f i c o   e
tecnológico. O progresso científico, por outro lado, em virtude de suas
aplicações tecnológicas, não se processa de forma neutra, mas no campo
da Engenharia Genética envolve uma rede imensa de interesses econômicos
Tanatologia.pmd 117 25/03/2008, 12:35118 Tanatologia: vida e finitude
que acabam por questionar os próprios fundamentos da tradição ética
ocidental. Médicos e pacientes, empresas de seguro de saúde, grandes
indústrias farmacêuticas, disputas na comunidade científica por recursos
cada vez mais vultosos para a pesquisa, investimentos públicos e privados
na aplicação dos produtos resultantes das pesquisas, tudo contribui para
que os princípios reguladores da Medicina tradicional se tornem insuficientes para regular as relações sociais, econômicas e políticas nascidas na
civilização tecnocientífica. A chamada crise ética se refere, precisamente,
ao conflito entre aquela tradição e os valores da cultura da tecnocivilização
que servem como alicerces para a construção de novas, imprevisíveis e
descontroladas relações sociais e econômicas.
ORIGENS E EVOLUÇÃO TEMÁTICA DA BIOÉTICA
No contexto da Tecnociência, o conflito assumiu peculiar intensidade no âmbito da Biologia contemporânea, principalmente nas suas
mais avançadas realizações, que se encontram no campo da Engenharia
Genética. O progresso científico e suas aplicações tecnológicas provocaram
o surgimento de um complexo e intricado conjunto de relações sociais e
jurídicas que envolve valores religiosos, culturais e políticos diferenciados
e também a construção de poderosos interesses econômicos que se refletem na formulação de políticas públicas. As questões éticas suscitadas pela
ciência biológica contemporânea tratam, assim, das interrogações feitas
pela consciência do indivíduo diante dos novos conhecimentos e também
como esses conhecimentos materializados em tecnologias estão repercutindo na sociedade. Então, vemos como a complexidade das relações
estabelecidas em virtude da nova ciência e tecnologias no campo da
Engenharia Genética fazem com que a Bioética e o Biodireito não possam
ficar prisioneiros da teorização abstrata ou do voluntarismo legislativo,
pois ambos são chamados a responder à indagações práticas e imediatas
que nascem de relações sociais, econômicas, políticas e culturais características da civilização atual.
Esse conjunto de relações pode ser analisado, do ponto de vista
ético, sob aspectos distintos. Em primeiro lugar, considerando que o mais
novo ramo da Filosofia Moral – a Bioética – constitui uma fonte e
parâmetro de referência, tanto para o cientista como para o cidadão
Tanatologia.pmd 118 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 119
comum. Em segundo lugar, procurando-se estabelecer quais os princípios
racionais que fundamentam a Bioética e como podem servir de parâmetros
éticos na formulação de políticas públicas que encontrarão nas normas
jurídicas a sua formalização final. E, finalmente, como o Biodireito, conjunto de normas jurídicas destinadas a disciplinar essas relações, deverá
encontrar justificativas racionais que o legitimem. Assim, encontramo-nos
diante do problema nuclear do pensamento social, qual seja, o da convivência de duas ordens normativas – a Moral e o Direito – diferenciadas
entre si, mas que mantêm um caráter de complementaridade, que impeça,
parafraseando Kant, o vazio da Bioética sem o Biodireito e a cegueira do
Biodireito sem a Bioética.
O termo Bioética foi proposto pela primeira vez pelo cancerologista
Potter Van Rensselaer no início da década de 1970. O precursor do uso
do termo empregou-o em sentido bastante diferenciado daquele que
encontramos na atualidade. Potter considerava que o objetivo da disciplina
deveria ser o de ajudar a Humanidade a racionalizar o processo da evolução
biológico-cultural. Tinha, portanto, um objetivo moral-pedagógico. Andre
Hellegers, fisiologista holandês e fundador do The Joseph and Rose Kennedy
Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics, passou a
empregar a palavra em sentido mais amplo, relacionando-a com a Ética
da Medicina e das ciências biológicas. Ambos os precursores no emprego
da palavra procuraram soluções normativas para problemas que inquietavam
os meios científicos desde o início da década de  1950. Tratava-se de
avaliar as conseqüências dos rápidos avanços nas ciências biológicas e
controlar, ou humanizar, os seus efeitos. Tentavam os iniciadores da Bioética
fazer com que a própria comunidade científica definisse princípios éticos
inibidores da síndrome de Frankenstein que rondava a ciência biológica
desde os experimentos dos médicos nazistas.
O nascimento da Bioética ocorreu, assim, em contexto histórico
e social específico (PARIZEAU, 1996), correspondendo ao momento de
crise da Ética médica tradicional, restrita à normatização do exercício
profissional da Medicina que não conseguia responder aos desafios morais
encontrados no contexto da ciência biológica contemporânea. Entretanto,
a primeira contestação aos padrões tradicionalmente utilizados pela
corporação médica nas suas relações com os pacientes, e que revelou a
Tanatologia.pmd 119 25/03/2008, 12:35120 Tanatologia: vida e finitude
insuficiência dos cânones da deontologia médica clássica, surgiu no bojo
de um movimento social mais abrangente, no qual a autoridade médica
foi questionada, como as demais autoridades constituídas, como sendo
representante do  status quo do Estado liberal e da maquinária burocrática
montada para atender às políticas do bem-estar social dessa forma de
organização estatal.
Essas reivindicações que caracterizaram o movimento social na
década de 1960 foram expressas por algumas bandeiras. Questionou-se a
legitimidade das instituições, do Estado e da religião, o que provocou
mutações profundas na vida privada dos indivíduos e na vida pública. No
campo das ciências humanas e da vida ocorreram profundas mudanças em
virtude de novos conhecimentos, novas tecnologias genéticas e da consagração de novos valores: fecundação  in vitro, transplantes de órgãos,
aperfeiçoamento das técnicas de enxertos, descriminalização do suicídio,
do aborto, do homossexualismo, a legalização do divórcio, a questão do
transexualismo, o emprego generalizado de métodos anticoncepcionais, a
desinstitucionalização das instituições psiquiátricas, todos são temas que
se incorporaram à cultura contemporânea por meio de acirrados debates
científicos e morais envolvendo universidades, pesquisadores, igrejas,
partidos políticos, imprensa, organizações sociais e profissionais.
Nesse quadro de profundas modificações culturais, as relações
médico–paciente foram denunciadas como sendo mais uma forma de
paternalismo, entre as muitas encobertas pela sociedade liberal, a ser substituída por uma relação transparente e responsável. Os imensos progressos
das ciências biológicas provocaram, entretanto, uma atitude ambivalente em
relação ao modelo tecnocientífico vigente da Medicina, responsável, aliás,
pelos progressos alcançados no combate às doenças e endemias. A Bioética
surgiu como resposta ao conflito entre a Ética médica deontológica, restrita
à corporação médica, e as reivindicações de transparência e responsabilidade pública levantadas pelo movimento social que, entretanto, reconhecia as
conquistas fundamentais realizadas pelas ciências biológicas. Vemos então
como nas suas origens, a Bioética e, logo em seguida, o Biodireito iriam
ter que conviver com essas duas dimensões: de um lado, a crítica às práticas
éticas da Medicina tradicional, consideradas inaptas para lidar com o novo
mundo da Biologia e das tecnologias genéticas; de outro lado, a necessidade
Tanatologia.pmd 120 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 121
de apoio e incentivo às pesquisas que traziam avanços consideráveis na luta
contra as doenças e epidemias.
A Bioética trouxe do nascedouro algumas características, tornando-se evidente que as pesquisas da ciência biológica ampliavam os seus
horizontes, deixando o campo restrito da busca da cura e se desdobrando
em temas como as novas formas de procriação, a eutanásia, a clonagem
e as políticas públicas relacionadas com esses assuntos. O campo de
conhecimento da Bioética exigiu, assim, a incorporação à temática original de outras áreas científicas.
Por essa razão, a Bioética contemporânea se tornou, necessariamente, um conhecimento interdisciplinar, pois ela é parte, mas na realidade ultrapassa a ética médica restrita às relações médico–paciente. Isto
por que trata de investigações que envolvem a vida humana na perspectiva
terapêutica e também de pesquisas puras que podem ou não levar à
aplicações práticas.
Esse conhecimento, portanto, não se esgota na reflexão sobre as
novas terapias, mas se desdobra acompanhando as múltiplas aplicações
tecnológicas que irão envolver outras áreas de conhecimento sobre o
homem e a sociedade. Por essas razões, a Bioética tem uma dupla face,
pois ela é um discurso e uma prática, materializando-se não na teoria
acadêmica, mas na prática dos hospitais, nos comitês de Bioética e na
formulação de políticas públicas. Esse duplo aspecto da Bioética é que a
torna um ramo da Filosofia Moral comprometida com um tipo de conhecimento voltado para a prática.
A análise filosófica da Bioética que irá possibilitar o estabelecimento dos parâmetros racionais, éticos e universais do Biodireito, pode
ser desenvolvida em duas dimensões:
a) trata-se, no primeiro nível, de desenvolver os argumentos
racionais que possam fundamentar e explicar os valores e princípios envolvidos.
A Bioética, sob esse aspecto, situa-se num nível metadeontológico e analítico.
Pretende-se, portanto, menos tomar posição, e em conseqüência expressar
uma verdade canônica, e mais descobrir os argumentos contraditórios ou
tautológicos encontrados no discurso bioético;
b) no segundo nível, a Bioética procura explicitar recomendações
objetivas que contribuam para solucionar problemas específicos e cirTanatologia.pmd 121 25/03/2008, 12:35122 Tanatologia: vida e finitude
cunscritos. Encontram-se nesse caso pareceres dos filósofos morais sobre
problemas de política pública ou decisões judiciais como, por exemplo,
os pareceres do grupo de filósofos morais norte-americanos que, como
amicus curiae, ajudaram à Côrte Suprema dos Estados Unidos a decidir
sobre a eutanásia.
A Bioética, portanto, não pretende se constituir no corpo de uma
moralidade canônica estabelecida por uma autoridade religiosa ou política
que impõe a sua concepção moral própria, pois a sociedade pluralista em
que vivemos não comporta uma mesma resposta para os problemas morais,
mas múltiplas interpretações de diferentes códigos morais, pertencentes a
diversas comunidades. A Bioética é, assim, considerada como sendo
necessariamente plural, e pode ser caracterizada “como uma lógica do
pluralismo, como um instrumento para a negociação pacífica das institui-
ções morais” (ENGELHARDT, 1991). Para a realização da negociação
pacífica peculiar ao argumento ético, supõe-se que seja possível determinar um princípio de universalidade como raiz da vida moral e jurídica.
O mais novo ramo da FilosofiaMoral poderá definir, assim, não
um código de normas substantivas que sirva de guia para as políticas
públicas de Saúde e de pesquisa biológica, mas sim analisar as condições
racionais para a existência de argumentos fundadores de princípios que
serão materializados por meio da ordem jurídica e visem resguardar a
pessoa humana e os seus descendentes. Os problemas bioéticos se referem
em sua amplitude às condições de conservação e melhoria da própria
condição humana que se expressam no estado da saúde de cada pessoa,
reflexo não somente de condições físicas ou psíquicas do indivíduo, mas
também de políticas públicas e da prática da Medicina (GADAMER,
1996). Nesse sentido, a Bioética se insere na tradição da Ética prática,
analisando do ponto de vista ético a prática da Medicina e também os
fundamentos e objetivos das políticas públicas de Saúde.
Os propósitos da Bioética são necessariamente limitados, tendo
e m   v i s t a   a   s i t u a ç ã o   s o c i a l   c o n t e m p o r â n e a ,   n a   q u a l   o c o r r e   u m a
descontinuidade entre a racionalidade e a moralidade. A principal razão
para essa ruptura intelectual advém do fato de que presenciamos uma
anemia crescente no debate público sobre a natureza e a função da
moralidade. Construímos e convivemos com diferentes justificativas morais
Tanatologia.pmd 122 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 123
que não mais fazem referência a um Deus unificador, gênese do que é
certo e do que é errado, do bom e do mal, fonte durante séculos da
moralidade. A necessidade da Bioética na contemporaneidade – como,
aliás, da Filosofia Moral de um modo geral – prende-se ao fato de que
o modelo de sociedade individualista e socialmente atomizada dos tempos
atuais se encontra questionada em seus fundamentos pelo próprio relativismo
moral que dela tomou conta. A fome pela Ética no nosso tempo, principalmente se levando em consideração as interrogações morais provocadas
pelas ciências biológicas e tecnologias médicas, expressa o entendimento
essencial do ser humano de que, para além das convicções individuais,
encontra-se a necessidade de se estabelecer um balanceamento entre os
custos e os benefícios do mais ambicioso projeto da pós-modernidade:
adiar a morte (ENGELHARDT, 1996).
“Lo que hace un hombre es como si lo hicieran todos los hombres. Por
eso no es injusto que una desobediencia en un jardin contamine al género
humano [...]”
Jorge Luis Borges,  Ficciones.
Existe, portanto, uma tensão permanente entre os valores morais
e os cânones éticos encontrados na sociedade pluralista da modernidade.
A própria natureza humana é concebida de forma diversa pelas diferentes
tradições culturais e religiosas. Dentro da tradição judaico-cristã, por
exemplo, encontramos posições divergentes diante de uma mesma situa-
ção fatual, obrigando o médico a agir de uma ou de outra forma. Por
outro lado, os regimes democráticos contemporâneos romperam as muralhas institucionais protetoras de segredos, tornando-se cada vez mais
reduzido o número de fatos protegidos sob o manto dos arcana imperial,
permitindo-se um controle mais efetivo pela sociedade civil dos rumos das
pesquisas e experiências científicas. A mentalidade dos cientistas, é certo,
encontra dificuldades em lidar com essa nova realidade político-institucional
caracterizada por uma consciência crescente da comunidade na defesa de
valores e direitos considerados essenciais para a pessoa humana. O Professor Robert Edwards, que, com Patrick Steptoe, iniciou a técnica da
Tanatologia.pmd 123 25/03/2008, 12:35124 Tanatologia: vida e finitude
fertilização in vitro, em discurso pronunciado em 1987, advertia para essa
deficiência na formação dos cientistas:
os cientistas são notoriamente desprovidos de Ética se comparados
à população em geral. Muitos deles não se interessam em participar
desses debates sequer em seu próprio campo de trabalho, a menos
que as circunstâncias sociais os empurrem literalmente para a discussão ética. A maioria dos cientistas nunca teve uma formação ética
e enfrenta consideráveis dificuldades, quando obrigada a expressar
seus próprios princípios éticos em relação à sua disciplina. (WILKIE,
1 9 9 4 )
OS PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA
Desde os seus primórdios, imaginou-se a Bioética como uma
fonte de normas, de regras gerais e de princípios, com objetivo principal
de disciplinar eticamente o trabalho de investigação científica e de aplic a ç ã o   d o s   s e u s   r e s u l t a d o s ,   p r o t e g e n d o   a   B i o l o g i a   d a   ame a ç a   d e
desumanização. A própria comunidade científica despertou para essa
necessidade fazendo com que os princípios da Bioética constituíssem nas
suas primeiras formulações uma espécie de Código de Ética Profissional
para cientistas e pesquisadores. A partir do início da década de 1950, a
rapidez e sofisticação das novas descobertas biológicas suscitaram indaga-
ções morais que procuraram resposta na formulação de princípios éticos
que em sua origem pretendiam regular a pesquisa e a engenharia genéticas, consideradas em muitos aspectos como uma ameaça à inviolabilidade
da pessoa humana. Mas os princípios pretendiam também exercer o papel
de fonte de obrigações e direitos morais – constituindo-se em  principia
(ENGELHARDT, 1996) – que expressavam raízes da vida moral, sendo
suas determinações obrigatórias por si mesmas.
Os avanços do conhecimento científico no contexto de desconhecimento objetivo sobre os resultados da aplicação das tecnologias, e também de uma certa paranóia nascida mais do culto da ficção científica do
que propriamente da ciência, provocaram uma proliferação de regras
bioéticas ou deontológicas de caráter geral, cuja fundamentação se encontram nos princípios da Bioética. Os antecedentes normativos do Biodireito,
Tanatologia.pmd 124 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 125
mais éticos do que jurídicos, representaram somente a primeira resposta
para que pudesse ser preenchido o vazio normativo ocasionado pela incapacidade da ordem jurídica vigente de lidar com as novas descobertas
e suas aplicações, consideradas como ameaças, quando não reais, imaginadas, para a sobrevivência da humanidade. O vazio normativo se tornou
mais evidente com a insuficiência da deontologia médica clássica em lidar
com as novas descobertas e as exigências sociais de transparência e publicidade na pesquisa e na prática médica, fazendo com que as questões
morais suscitadas procurassem se socorrer de princípios que, teoricamente,
deveriam pautar eticamente o desenvolvimento da investigação científica e
suas aplicações práticas. Os princípios, em sua generalidade, no entanto,
não corresponderam às expectativas de regulação e por essa razão se legislou
sobre a pesquisa e as tecnologias de forma impulsiva, procurando-se resolver
situações pontuais e não estabelecer normas jurídicas gerais.
Os fantasmas que rondaram as descobertas da Biologia contemporânea tinham, entretanto, uma certa materialidade, pois o progresso biológico
trouxe consigo a lembrança dos experimentos nazistas, o que justificou a
proclamação das normas do Código de Nuremberg, em 1947. Essa foi a
primeira tentativa de distinguir entre pesquisas clínicas e não clínicas, quando
se recomendou a formação de comitês destinados a regular o processo de
obtenção do consentimento e do tipo de informação dada aos doentes que
fossem objeto das pesquisas. O movimento dos Comitês de Ética se expandiu
principalmente em hospitais universitários, sendo formado originalmente por
médicos. Em pouco tempo, surgiram os Comitês Nacionais de Bioética que
a partir da década de 1960 foram criados nos Estado Unidos, na Grã-
Bretanha, na Suécia, na Austrália e em outros países, com a função de
atuarem como instâncias nacionais para o controle do desenvolvimento da
pesquisa e da tecnologia biológicas. Normas internacionais terminaram por
consagrar a temática da Bioética como tema planetário, procurando envolver
em suas determinações inclusive aqueles países onde não se tinham ainda
estabelecidos os Comitês Nacionais de Bioética.
Os chamados princípios da Bioética foram formulados pela primeira vez em 1978, quando a “Comissão norte-americana para a proteção
da pessoa humana na pesquisa biomédica e comportamental” apresentou
no final dos seus trabalhos o chamado  Relatório Belmont. Este texto resTanatologia.pmd 125 25/03/2008, 12:35126 Tanatologia: vida e finitude
pondia àquelas exigências, acima referidas, vindas da comunidade cientí-
fica e da sociedade no sentido de que se fixassem princípios éticos a
serem obedecidos no desenvolvimento das pesquisas e que deveriam ser
considerados quando da aplicação de recursos públicos nessas atividades
científicas. O  Relatório Belmont estabeleceu os três princípios fundamentais da Bioética, em torno dos quais toda a evolução posterior dessa nova
área do conhecimento filosófico iria se desenvolver: o princípio da beneficência, o princípio da autonomia e o princípio da justiça, chamado por
alguns autores de princípio da eqüidade (LEPARGNEUR, 1996).
As normas biojurídicas promulgadas desde então em países pioneiros na legislação do Biodireito, como a Grã-Bretanha, Austrália e Fran-
ça, tiveram como referencial último esses princípios estabelecidos pelo
Relatório Belmont. O exame desses princípios permite que se tenha uma
idéia, no entanto, de suas limitações como princípios fundadores de uma
Ética e de um Biodireito na sociedade pluralista e democrática.
O princípio da beneficência deita suas raízes no reconhecimento
do valor moral do outro, considerando-se que maximizar o bem do outro
supõe diminuir o mal; o princípio da autonomia estabelece a ligação com
o valor mais abrangente da dignidade da pessoa humana, representando
a afirmação moral de que a liberdade de cada ser humano deve ser
resguardada; o princípio da justiça ou da equidade estabelece, por fim,
que a norma reguladora deve procurar corrigir, tendo em vista o corpoobjeto do agente moral, a determinação estrita do texto legal.
Verificamos que os três princípios correspondem a momentos e
perspectivas subseqüentes na evolução da Bioética e, em conseqüência, do
Biodireito: o momento e a perspectiva do médico em relação ao paciente;
o momento e a perspectiva do paciente que se autonomiza em relação à
vontade do médico; e, finalmente, o momento e a perspectiva da saúde
do indivíduo na sua dimensão política e social.
Alguns problemas de ordem racional surgem, entretanto, na aná-
lise da formulação e aplicação desses princípios. O estabelecimento de
princípios expressando raízes da vida moral, como quer Engelhardt (1996),
significa que irão formular uma determinação que em última análise se
torna canônica – pois quem irá definir em cada caso qual o “verdadeiro”
significado de cada um deles – e com isto termina por negar o princípio
Tanatologia.pmd 126 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 127
racional básico de que as leis morais resultariam de uma ampla argumentação pública entre pessoas autônomas. A aplicação dos princípios, por
sua vez, leva à situações conflitantes entre si a partir da constatação de que
tomados, separadamente, cada um deles pode ser considerado como superior ao outro. Logo, logicamente, a sua aplicação não pode ser feita de
maneira conjunta e não diferenciada, pois implicaria num processo de
paralisação mútua do processo decisório.
A própria origem de cada um dos princípios da Bioética mostra,
em sua formulação restrita, que não atendem às demandas da ordem
normativa, moral e jurídica de uma sociedade pluralista e democrática. As
condições mínimas para a construção de qualquer sistema normativo –
isto é, ordem e unidade – supõem a coexistência de princípios que sejam
complementares e não, como é o caso dos princípios da Bioética, princípios que partem de pressupostos, cujos objetivos são mutuamente
excludentes.
O princípio da beneficência tem suas origens na mais antiga
tradição da Medicina ocidental, na qual o médico deve visar antes de tudo
o bem do paciente – definido pelas luzes da ciência –, sendo que o
principal desses bens é a vida. Logo, o compromisso maior do médico é
o de envidar todos os esforços e empregar todos os meios técnicos tornados viáveis pela ciência e pela tecnologia para manter vivo o paciente,
mesmo contra a vontade deste último. O princípio da autonomia, por sua
vez, surge dentro da tradição liberal do pensamento político e jurídico,
que por sua vez deita suas raízes no pensamento kantiano; o indivíduo,
dentro da concepção liberal, é um sujeito de direitos que garantem o
exercício de sua autonomia, sendo que como paciente deve também ter
aqueles direitos que o situam como pessoa e membro de uma comunidade, advindo dessa constatação o direito de o paciente decidir, como
sujeito de direito, na relação médico–paciente. O princípio da justiça
recebe a sua primeira formulação no bojo da crise do Estado liberal
clássico quando o processo de democratização dessa forma de organização
política passa a considerar a sociedade e o Estado como tendo a obrigação
de garantir a todos os cidadãos o direito à saúde. Essa obrigação torna
o Estado e a sociedade agentes e responsáveis na promoção da saúde do
indivíduo, achando-se estabelecida na Constituição brasileira de 1998 nos
Tanatologia.pmd 127 25/03/2008, 12:35128 Tanatologia: vida e finitude
seguintes termos: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Artigo 196). Tornase, assim, evidente que a aplicação literal dos três princípios da Bioética
de modo mecânico, sem que sejam discutidos os seus fundamentos éticos,
podem se tornar conflitivos, contraditórios e auto-excludentes.
Em cada princípio, privilegia-se um elemento diferente, sendo
que a prática deformada de cada um desses princípios provoca situações
sociais injustas. Assim, o princípio da beneficência pode facilmente se
transmutar em paternalismo médico, e foi contra esta característica da
prática médica dos últimos cem anos que se manifestou o movimento
social da década de 1960. O princípio da autonomia, por sua vez, pode
instaurar o reino da anarquia nas relações entre médico e paciente, isto
acontecendo quando a liberdade individual passa a representar o escudo
atrás do qual o paciente impede que o médico exerça a sua função. O
princípio da justiça, por fim, corre o risco de se transformar na sua
própria caricatura nas mãos da burocracia estatal, sob a forma de
paternalismo e clientelismo político. O que se encontra por detrás da
aplicação mecânica desses princípios, como se fosse possível a sua aplicação conjunta, é a tentativa de se justificar a hegemonia de uma das três
dimensões da Saúde na sociedade contemporânea, o paciente, o médico
e a sociedade. Os três princípios somente adquirem sentido lógico se
forem considerados como referentes a cada um dos agentes envolvidos: a
autonomia, referida ao indivíduo, a beneficência ao médico, e a justiça
à sociedade e ao Estado. A aplicação isolada de cada um desses princí-
pios, no entanto, terminará por consagrar as situações sociais injustas a
que fizemos referência. Torna-se, então, necessário procurar um modelo
que não permita a hegemonia de um princípio sobre os dois outros, mas
que assegure a justificação, a integração e a interpretação dos três princípios. Em outras palavras, como fazer com que a autonomia seja preservada, a solidariedade garantida e a justiça promovida.
Tanatologia.pmd 128 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 129
A AGENDA TEMÁTICA DA BIOÉTICA
A aplicação desses princípios tem sido realizada em contextos
específicos, o que possibilita a elaboração de uma agenda temática da
Bioética da qual poderemos remontar e procurar solucionar o problema
da contradição, considerando-se que quando nos referimos a princípios,
e s t amo s   f a z endo   r e f e r ênc i a   a  pa r âme t r o s   que ,  me smo   s endo   aut o -
excludentes, referem-se a determinados temas. Na Bioética, esses princí-
pios têm por objeto material o processo de avaliação ética da pesquisa e
das tecnologias da Biologia e da Medicina contemporânea. Os parâmetros,
no entanto, exigem para a sua materialização uma contextualização temática
que delimite o universo próprio onde deverão ser aplicados. Parizeau
(1996) sistematizou a temática do discurso da Bioética nos seguintes itens:
a) a relação médico–paciente, em grande parte contemplada
nos Códigos de Ética Médica;
b) o problema da regulamentação das experiências e pesquisas
com os seres humanos;
c) a análise do ponto de vista ético das técnicas concernentes
à procriação e à morte tranqüila ou eutanásia;
d) a análise ética das intervenções sobre o corpo humano (transp l a n t e s   d e   ó r g ã o s   e   t e c i d o s ,   M e d i c i n a   e s p o r t i v a   e
transexualismo);
e) a análise ética das intervenções sobre o patrimônio genético
da pessoa humana;
f) a análise ética das repercussões do emprego das técnicas de
manipulação da personalidade e intervenção sobre o cérebro
(psicocirurgia e controle comportamental da Psiquiatria);
g) a avaliação ética das técnicas genéticas e suas repercussões
no mundo animal.
Vemos como a temática cobre uma ampla gama de questões que
se iniciam no âmbito exclusivo do indivíduo e sua saúde e termina nos
debates sobre as repercussões sociais de decisões, também de caráter
individual (como aquelas que envolvem os transexuais).
Ressente-se, entretanto, essa agenda temática daqueles problemas
a que faz referência Hans-Georg Gadamer, que são os problemas relativos
Tanatologia.pmd 129 25/03/2008, 12:35130 Tanatologia: vida e finitude
à saúde como bem do indivíduo e bem da coletividade. Somente nos
últimos anos, a Bioética começou a considerar, além da análise das decisões que envolvem a escolha do tipo de pesquisas a serem financiadas com
recursos públicos, o problema relativo às políticas públicas de Saúde e
Previdência que testam o princípio de justiça e o princípio da autonomia.
A análise dos escolhas morais que se encontram subentendidas na
definição de políticas públicas é um tema que por si mesmo exige um
tratamento teórico à parte, pois se encontram também nesse terreno
dados empíricos necessários para a avaliação das possibilidades dos princípios da Bioética.
DUAS RESPOSTAS AOS TEMAS DA BIOÉTICA
As questões políticas referentes à Bioética foram respondidas de
formas diversas pelas duas grandes linhas do pensamento contemporâneo:
liberais e conservadores. Para que se possa, de uma forma geral, verificar
onde se encontram as diferenças entre os dois grandes grupos doutrinários
do cenário político da modernidade, torna-se necessário situar as políticas
advogadas por ambas as correntes do pensamento social no quadro de três
perguntas básicas, cujas respostas servem para diferenciar os pensadores
liberais dos pensadores conservadores (FAGOT-LARGEAULT, 1996). Essas
perguntas representam o cerne da indagação bioética contemporânea e em
função delas encontramos, grosso modo, respostas que têm a ver com a
concepção do homem e da sociedade, como foram formuladas pelo pensamento social.
As perguntas que constituem o cerne da temática política da
Bioética são as seguintes:
a) o que é necessário evitar?
b) o que é necessário promover e apoiar?
c) qual o estatuto do corpo humano?
As respostas às três questões traçaram o quadro teórico dentro
do qual se desenvolveu o debate sobre a Bioética nos tempos atuais,
quadro este que deverá informar ou complementar o trabalho do legislador e do julgador. À primeira pergunta, os conservadores responderam
com a afirmação de que não se encontra em discussão a liberdade dos
indivíduos, mas sim os problemas individuais e sociais provocados pelas
Tanatologia.pmd 130 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 131
novas tecnologias, ainda não devidamente controladas e conhecidas em
suas conseqüências pelo homem. Sustentam os conservadores que, no
caso de dúvida, deve-se paralisar as experiências e transferir para especialistas bem intencionados a decisão e o controle final do processo
científico e tecnológico.
Os liberais, por sua vez, respondem colocando em situação privilegiada o indivíduo, acima de considerações de caráter público ou social. Considerado como agente moral, cuja liberdade constitui a sua dimensão principal, o indivíduo é o senhor absoluto dos seus destinos, não
devendo se sujeitar às imposições dos detentores do conhecimento ou do
poder público. Trata-se, portanto, para os liberais, de evitar qualquer
restrição ao exercício pleno da liberdade individual. Em torno da idéia de
pessoa e de liberdade, a boa doutrina liberal (ENGELHARDT, 1996)
sustenta que por se tratar da pessoa humana, e em função dela, é que se
deverão aplicar os princípios da Bioética; e da pessoa humana que vive
numa sociedade democrática e pluralista, significando, assim, que os
princípios da Bioética supõem a existência de uma sociedade liberal. Essa
objetivação dos princípios da Bioética, para Engelhardt, somente pode
ocorrer na sociedade plural, estruturada por meio de uma ordem política
liberal, sendo essa a razão pela qual, em seu pensamento, o princípio da
autonomia se torna hegemônico em relação aos dois outros princípios da
Bioética. A solução política liberal deixa, então, para o indivíduo, por
intermédio de seus representantes políticos, a tarefa de avaliar o progresso
da ciência e da tecnologia, cujo ritmo e objetivos deverão estar sujeitos
ao controle da sociedade civil.
A segunda questão de caráter geral que se coloca para a Bioética
– o que se deve fazer – também é respondida de forma diversa pelas
duas correntes de pensamento. O pensamento liberal sustenta que se
deve promover a tolerância e assegurar a resolução pacífica dos conflitos. Os conservadores consideram, por outro lado, que se torna necessário aprofundar os debates sobre as descobertas e tecnologias da Genética, antes que a ciência humana se aventure por campos do conhecimento ainda pouco conhecidos. Esses debates devem obedecer a uma
estratégia política de dissuasão, por meio do medo, a chamada “heurística
do medo” (HOTTOIS, 1993). Assim, na concepção conservadora, seria
Tanatologia.pmd 131 25/03/2008, 12:35132 Tanatologia: vida e finitude
exorcizada a  compulsão tecnicista da contemporaneidade que, ao ver de
importantes críticos da modernidade, transformou o homem de sujeito
em objeto da técnica.
Tanto liberais como conservadores entendem o estatuto do corpo
do indivíduo de forma diferente, sendo que esse entendimento resulta de
uma concepção, também diversa, da natureza ontológica do ser humano.
Para os conservadores, o homem se estrutura em função de uma unidade
orgânica, na qual a liberdade constitui a espinha dorsal, essencial para o
equilíbrio e o aperfeiçoamento da pessoa humana. Por essa razão, a
natureza biológica do ser humano é facilmente atingida pelas temidas
agressões tecnológicas, cujas conseqüências acabam atentando contra a
própria natureza humana. Sustentam os conservadores ser necessário suspender essas experiências que resultam em violações desse espaço primitivo de liberdade natural, para que se possa recuperar a unidade natural
do indivíduo. Os liberais respondem à questão sobre o estatuto do ser
humano relacionando-o com uma das formas naturais que garantem o
exercício da liberdade. Na verdade, os liberais, pelas próprias características do seu pensamento, não têm uma concepção unificada do ser humano, a não ser a remissão à liberdade.
As diferentes respostas dadas por liberais e conservadores permitem determinar qual o entendimento do homem e da sociedade que se
encontra subjacente em cada uma das posições e quais as conseqüências
para o mundo da nova Biologia. A posição conservadora parte da suposição de que as aplicações dos novos conhecimentos, principalmente genéticos, devem ser encarados com cautela. Não se encontrando no contexto das biotecnologias parâmetros seguros que possam servir de referência para pesquisas ainda embrionárias, deve-se procurar preservar a todo
o custo a esfera da pessoa, considerada como um todo orgânico. Propõem
os conservadores, o estabelecimento de uma moratória nessas pesquisas,
impedindo-se, assim, que a natureza humana seja desnaturada (JONAS,
1980). Essa moratória serviria, portanto, para resguardar a pessoa humana
de tecnologias que poderão ou não modificar a própria natureza humana,
pois, sustentam os conservadores, ninguém conhece com precisão os
resultados e as repercussões, principalmente da Engenharia Genética. O
temor de um progresso científico e tecnológico que se desenvolvia em
Tanatologia.pmd 132 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 133
ritmo acelerado a partir de 1950 fez mesmo com que o argumento contrário ao prosseguimento das pesquisas fosse aceito pela comunidade científica, durante a reunião de Asilomar, em 1974, quando os cientistas
c onc o rda r am  em  e s t abe l e c e r  uma  mo r a t ó r i a  na s  pe s qui s a s   s obr e   a
recombinação artificial com vistas à transferência de material genético
para uma célula receptora. Em 1975, ainda em Asilomar, a moratória foi
suspensa, retomando-se as pesquisas. Constatamos, assim, como para o
pensamento conservador o importante, tendo em vista a imprevisibilidade
do novo mundo que se vai abrindo para o conhecimento humano, é evitar
o risco tecnológico, ainda que custe novos avanços na ciência.
A posição liberal sustenta não ser possível determinar uma definição do bom e do mal de forma abstrata e com expressão universal. Em
conseqüência, o importante nas questões da Bioética, como em todos os
demais problemas sociais, consistirá na preservação da liberdade de escolha e do debate público, permitindo-se que cada indivíduo e comunidade
estabeleçam seus próprios padrões de controle (CHARLESWORTH, 1993).
Os liberais consideram mesmo que esta não é uma questão essencial, pois
cada sociedade, em princípio, deve determinar os seus próprios parâmetros
normativos, seja do ponto de vista moral seja sob o aspecto jurídico.
DA BIOÉTICA AOS DIREITOS HUMANOS
A Bioética, portanto, não se identifica com a “Ética” médica
como esta foi entendida durante séculos, nem se constitui em um  corpus
de princípios interpretados de forma uniforme por diferentes correntes do
pensamento social. Trata-se de uma área de conhecimento, cujas raízes se
encontram nos dados fornecidos pelas ciências biológicas, que fornecem
o material empírico necessário para a reflexão propriamente filosófica.
Desde a definição de Potter, que pretendia construir um projeto para
garantir a humanização das ciências biológicas com vistas a mais qualidade de vida, o conceito sofreu profundas modificações. A evolução da
Bioética se processou em função da necessidade de se pensar o avanço
científico, levando-se em conta como a intervenção do homem na natureza exige a construção de uma Ética filosófica que possa ter a pretensão
de universalidade, mas que responda às ameaças reais ou imaginadas à
humanidade, conseqüência de novas descobertas e tecnologias. Essa evoTanatologia.pmd 133 25/03/2008, 12:35134 Tanatologia: vida e finitude
lução caminhou também no sentido da construção de um discurso ético,
dentro do qual possam se encaminhar, e achar solução, os conflitos que
ocorrem em virtude das novas relações sociais e econômicas nascidas
dessas descobertas, e até então desconhecidas pelo ser humano.
Na atualidade, o campo da Bioética extrapola o âmbito restrito
das ciências da Saúde e apresenta uma dupla face. De um lado, incorpora
as novas formas da responsabilidade, principalmente a responsabilidade
com as gerações futuras, como foram vistas por Hans Jonas, mas também
aceita a idéia kantiana do respeito à pessoa e do respeito ao conhecimento. A Bioética surge, assim, como o mais novo e complexo ramo da Ética
filosófica, pois trata da responsabilidade em relação à Humanidade do
futuro e, ao mesmo tempo, considera a pessoa humana como detentora
de direitos inalienáveis. Contribuem, assim, para estabelecer os seus fundamentos duas linhas do pensamento contemporâneo: a primeira, peculiar
à tradição liberal, na qual se proclamam e afirmam os direitos da pessoa
humana como limites à ação do Estado e dos demais indivíduos; a segunda, socorre-se de uma nova linha do pensamento filosófico, originária da
primeira, mas que passa a pensar a ação do indivíduo não somente no
quadro de suas conseqüências imediatas, mas principalmente em função
de suas repercussões futuras. Trata-se, portanto, de construir uma Ética
que irá se materializar em novas responsabilidades.
Dentre os diferentes objetos da regulação jurídica, o problema
nodal do Direito – a questão da responsabilidade –, por exemplo, deverá
sofrer uma profunda reavaliação quando lida sob essa perspectiva ética,
pois irá ultrapassar a concepção restrita e ineficiente da responsabilidade
civil e penal do Direito liberal. Nesse sentido, torna-se necessário abandonar o conceito de uma responsabilidade jurídica comprometida em
determinar uma compensação  ex post facto, e procurar construir uma nova
responsabilidade, a ser formalizada juridicamente, fundada no conceito
mais abrangente de responsabilidade moral. Nas palavras de Hans Jonas,
a civilização tecnocientífica, que tem na Engenharia Genética uma de suas
mais importantes realizações, encontra-se eticamente à deriva, sendo que
a sobrevivência do ser humano depende da construção de uma nova Ética.
Essa “ética do futuro”, escreve Jonas, “não designa a ética no futuro –
uma ética futura concebida na atualidade para os nossos descendentes
Tanatologia.pmd 134 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 135
futuros –, mas sim uma ética da atualidade, que se preocupa com o futuro
e pretende protegê-lo para os nossos descendentes das conseqüências de
nossa ação presente” (JONAS, 1998). Essa responsabilidade moral, núcleo
da Ética do futuro, não é, portanto, a responsabilidade civil clássica,
determinada pelo cálculo do que foi feito, mas pela “determinação daquilo
que se irá fazer. Um conceito em virtude do qual eu me sinto responsável,
portanto, não em primeiro lugar por meu comportamento e suas conseqüências, mas da coisa que reivindica o meu agir” (JONAS, 1995). Essa
é a idéia fundante das novas responsabilidades que se torna característica
quando referidas às coisas a que se destinam o agir humano, seja o corpo
humano, os animais ou o equilíbrio ecológico.
Por ambas as razões, o tema da Bioética extrapolou a área restrita
dos hospitais e a própria profissão médica e se tornou tema a ser analisado na espaço público democrático. Tratando de assunto essencial para
a sobrevivência da Humanidade, e que envolve liberdades, direitos e
deveres da pessoa, da sociedade e do Estado, a Bioética se transformou
na mais recente fonte de direitos humanos. Esse trânsito da Bioética para
o Biodireito, no plano internacional, materializou-se por meio da Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, elaborada
pelo Comitê de Especialistas Governamentais da Unesco, tornada pública
em 11 de novembro de 1997. O texto, assinado por 186 países-membros
da Unesco – portanto, fonte legitimadora do documento – estabelece os
limites éticos a serem obedecidos nas pesquisas genéticas, especificamente
as pesquisas relativas à intervenção sobre o patrimônio genético do ser
humano. A natureza ética e jurídica do citado documento, como veremos
adiante, remete-nos à constatação de que é necessário, para que ocorra a
passagem da ordem ética para a ordem jurídica, a explicitação de uma
norma, mas que tenha características de universalidade próprias do discurso ético. Não se trata, portanto, de uma simples formalização jurídica
de princípios estabelecidos por um grupo de sábios ou mesmo proclamados por um legislador religioso ou moral. O Biodireito pressupõe a elaboração de uma categoria intermediária que se materializa nos direitos
humanos, assegurando os seus fundamentos racionais e legitimadores.
A formulação de uma nova categoria de direitos humanos – a dos
direitos do ser humano no campo da Biologia e da Genética – responde
Tanatologia.pmd 135 25/03/2008, 12:35136 Tanatologia: vida e finitude
à indagação central do pensamento social contemporâneo: a possibilidade
da universalização de direitos morais fundados numa concepção ética do
Direito e do Estado, vale dizer, na construção de uma ordem normativa
construída por meio do diálogo racional entre pessoas livres. Neste contexto, a possibilidade da Bioética depende, como sustentam os pensadores
liberais, da existência de uma sociedade democrática, pois se assim não
for os valores e princípios bioéticos irão expressar a vontade dos cientistas, ou do Estado, e não de indivíduos livres e autônomos. Essa sociedade,
entretanto, necessita de mecanismos institucionais que assegurem a manifestação de diferentes concepções religiosas, políticas e sociais, sem as
quais se torna inviável o discurso ético.
Como verificamos, os princípios provocam na sua aplicação
antinomias que somente podem ser racionalmente resolvidas na medida
em que se puder integrar os três princípios e não se privilegiar um deles.
A formulação canônica, pela própria comunidade científica, desses princípios e a sua aplicação, sem que haja uma intermediação entre o patamar
ético e a prática social, terminam por consagrar uma interpretação subjetiva e, portanto, relativista do sentido e alcance dos  principia. Esses
princípios, entretanto, serviram como inspiração na implementação de
uma nova categoria de direitos humanos que procura precisamente suprir
essa lacuna ou vazio existente entre a esfera ética e as normas jurídicas
constitutivas do Biodireito. Em outras palavras, o Biodireito deixado à
mercê do subjetivismo procura se amparar em princípios bioéticos que,
como tal, necessitam de uma objetivação com características de universalidade. Estamos tratando de uma forma de Direito que se legitima
racionalmente e pela expressão livre de autonomias numa sociedade democrática, o que pode ser identificado como um direito construído em
função do exercício livre da razão, portanto, o que Kant chamou de
“Direito cosmopolita”. Os princípios da Bioética deixam, então, de representar determinações canônicas e passam a constituir uma forma de Direito
cosmopolita que será objetivado por meio dos direitos humanos. A
formulação encontrada na Declaração de 1997 permite comprovar a viabilidade desse trânsito entre a Ética e o Direito. O documento da Unesco
permite que se superem as dificuldades para a implementação de princí-
pios éticos e de direitos que têm uma natureza específica, pois pretendem
Tanatologia.pmd 136 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 137
estabelecer limites universais às legislações nacionais e políticas públicas
de Estados soberanos. Mantendo a necessária vocação universalista, a
Declaração de 1997 estabelece também uma série de medidas visando à
promoção dos princípios expressos e às exigências a que os Estados
signatários se submetem para a sua implementação.
A Declaração da Unesco se divide em grandes eixos temáticos.
O tema da dignidade humana constitui o fundamento ético de todas as
normas estabelecidas e do exercício dos direitos delas decorrentes (Artigos
1º-4º). A Declaração situa os direitos das pessoas envolvidas como
referencial obrigatório para as pesquisas e suas aplicações tecnológicas
(Artigos 5º-8º). O ser humano, em função dessa dignidade natural compartilhada por todos os seres humanos, independentemente de suas características genéticas, tem o direito de ser respeitado em sua singularidade
e diversidade (Artigo 2º, “a”). Outra conseqüência da identificação e
materialização da dignidade humana, no respeito ao genoma, encontra-se
na proibição de utilizá-lo para ganhos financeiros (Artigo 4º).
A regulação da pesquisa científica é tratada sob dois aspectos
correlatos: o documento estabelece, como decorrência dos princípios e
direitos anteriormente definidos, que a pesquisa e aplicações tecnológicas
não poderão desrespeitar os direitos humanos, as liberdades fundamentais, a dignidade humana dos indivíduos e de grupos de pessoas. O
documento não se restringe a determinar os parâmetros legais que visam
proteger diretamente a pessoa humana nas pesquisas relacionadas com o
genoma humano, mas avança procurando estabelecer as condições para o
exercício da atividade científica ao prever responsabilidades, tanto dos
cientistas e pesquisadores envolvidos nessas pesquisas como dos Estados
(Artigos 10º-16º).
Os deveres de solidariedade e cooperação internacional, no contexto da internacionalização crescente do conhecimento científico, tornase tema necessário na medida em que os princípios éticos e direitos
afirmados pela Declaração tornar-se-ão vazios de conteúdo prático caso
não exista um compromisso dos Estados em promover a solidariedade
entre indivíduos e grupos populacionais. A cooperação internacional é
prevista na Declaração sob quatro formas: por meio da avaliação dos
riscos e benefícios das pesquisas com o genoma humano, da promoção
Tanatologia.pmd 137 25/03/2008, 12:35138 Tanatologia: vida e finitude
de pesquisas sobre Biologia e Genética humana – levando-se em conta os
problemas específicos dos diferentes países –, da utilização dessas pesquisas em favor do progresso econômico e social,  assegurando-se o livre
intercâmbio de conhecimentos e informações nas áreas de Biologia, Genética e Medicina (Artigo 19º).
Os eixos temáticos são desenvolvidos na Declaração por meio,
em primeiro lugar, da explicitação de princípios éticos, e em segundo,
prevendo instrumentos capazes da assegurar a observância desses princí-
pios e dos direitos deles decorrentes pela comunidade internacional, pelos
Estados e pela comunidade científica. A originalidade do ponto de vista
da Teoria do Direito encontrada na Declaração do Genoma Humano
reside, assim, na reunião, em um só texto, de princípios bioéticos e
normas de regulação que obrigam o sistema jurídico internacional e nacional.
O objetivo principal da Declaração consiste em estabelecer princípios e prever mecanismos que resguardem o genoma humano, considerado como fundamento da “unidade fundamental de todos os membros da
família humana” (Artigo 1º). O genoma é elevado, portanto, a uma categoria universal, definidora da própria Humanidade. Essa definição, entretanto, responde à necessidade de se estabelecer um padrão que possa
garantir a natureza comum para homens de diferentes credos, etnias e
convicções, tornando-os iguais e, portanto, sujeitos de um mesmo conjunto de direitos. Encontra-se, assim, um referencial seguro para que se possa
elaborar uma normatização com características universais e capaz, portanto, de ser definida como um direito de toda a Humanidade.
Os direitos da pessoa são encarados pela Declaração como repercutindo no Biodireito a idéia mais geral dos direitos humanos. O texto
da Unesco propõe uma série de medidas que têm por objetivo preservar
a autonomia e a saúde do indivíduo.
Encontram-se nesses casos o princípio da dignidade do indiví-
duo, que se encontra no princípio bioético da autonomia, independente
de suas características genéticas; e o princípio da irredutibilidade do ser
humano ao determinismo genético, o que desmente as falácias dos diferentes argumentos racistas. O segundo princípio é exemplificado no documento da Unesco como instrumento de garantia da necessidade de
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permissão prévia para pesquisas, tratamento ou diagnóstico, e também da
proteção contra a discriminação fundada em características genéticas.
A preservação do caráter confidencial dos dados genéticos de
uma pessoa representa uma outra face da aplicação do princípio bioético
da autonomia, pois atribui à esfera dos direitos personalíssimos, informa-
ções e dados que possam ser usados para a prática da discriminação social
e política. O ponto nevrálgico do documento da Unesco reside, assim, na
defesa do patrimônio genético dos indivíduos como constitutivo de uma
base empírica na qual se pode construir uma Ética e um Direito cosmopolita, como previra Kant.
A Declaração Universal da Unesco, de 1997, estabeleceu assim
uma nova categoria de direitos humanos, o direito ao patrimônio genético
e a todos os aspectos de sua manifestação. A concordância dos países
signatários, por meio dos mecanismos próprios da sociedade democrática,
legitima limites aos cidadãos, grupos sociais e ao próprio Estado, que se
obriga em função de normas da comunidade internacional. Esse documento internacional representa também uma tentativa de criar uma ordem
ético-jurídica intermediária entre os princípios da Bioética e a ordem
jurídica positiva, o que irá obrigar os países signatários, como no caso o
Brasil, a incorporar as suas disposições no corpo do Direito nacional
(CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA de 1988, Artigo 5 º, § 2º).
A questão, portanto, da necessária complementaridade entre os
princípios éticos e as normas jurídicas se torna explícita, no caso da
legislação sobre a Genética, em virtude da incorporação ao Direito nacional, por força da norma constitucional, de normas internacionais, que
refletem valores éticos e que se destinam a todos os povos.
A caracterização dos direitos relativos ao genoma humano como
direitos humanos torna ainda mais evidente como o documento da Unesco
vem preencher um vácuo normativo no contexto do Direito nacional. Isto
significa que a legislação brasileira sobre Engenharia Genética – Lei nº
8.501, de 30 de novembro de 1992; Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de
1995 e Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, complementadas por
decretos, regulamentos e resoluções do Conselho Nacional de Saúde e do
Conselho Federal de Medicina, inclusive o Código de Ética Médica –
dependerá para o seu aperfeiçoamento de uma análise e um amplo debate
Tanatologia.pmd 139 25/03/2008, 12:35140 Tanatologia: vida e finitude
sobre os princípios e os direitos estabelecidos na Declaração Universal do
Genoma Humano e dos Direitos Humanos. Fará parte integrante desse
processo de aperfeiçoamento legislativo, o entendimento, tanto pelo legislador como pelo magistrado, de que existe uma complementaridade entre
a Ética e o Direito.
A prática social se acha progressivamente modificada pelas novas
tecnologias, ocupando lugar de destaque nesse processo o papel da Ética,
que obriga a revisão de conceitos da doutrina jurídica clássica e a conseqüente revolução paradigmática na Teoria do Direito.
As questões suscitadas pela ciência biológica tornaram evidentes
as relações necessárias que acontecem no seio de uma sociedade democrática e pluralista, entre os valores morais e o Biodireito. O campo de
conhecimento aberto abrange uma vasta gama de possibilidades. Os problemas suscitados não se referem somente à questão da vida e suas condições, mas também aqueles relativos ao fim da vida, que encontra nas
diversas legislações relativas à morte assistida e à eutanásia motivo de
sérias e inquietantes indagações morais. Essas interrogações se tornam
matéria a ser julgada pelos tribunais e debatida pela sociedade civil, sendo
necessário a utilização de critérios éticos comuns, vale dizer racionais,
para a busca de soluções.
Nesse quadro, a identificação dos direitos do genoma humano
como sendo uma forma de direitos humanos constituiu um progresso,
pois forneceu conteúdos jurídicos a princípios éticos, e, por outro lado,
assegurou também uma fundamentação moral para a ordem jurídica do
Biodireito.
Essa relação de complementaridade, entretanto, somente poderá se
efetivar na medida em que se utilize uma idéia como a do Direito cosmopolita, considerado, não como uma forma sofisticada de direito das gentes,
mas sim como um modelo jurídico que apresenta um conteúdo ético original, característica que se encontrava implícita na concepção do seu primeiro formulador. Os direitos humanos assim entendidos constituem a
formalização desse Direito cosmopolita, primeira manifestação de uma leitura ética do Direito e do Estado. Verifica-se, então, como a aplicação da
idéia do Direito cosmopolita permite que se recupere o sentido ético
original da ordem jurídica no pensamento kantiano. A idéia do Direito
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cosmopolita serve, portanto, de categoria racional para que se possa realizar
um enxerto propriamente ético nos direitos humanos. O desafio da Ética
no campo das ciências e tecnologias biológicas representou, em última
análise, um momento privilegiado, no qual a hipótese da complementaridade
entre a Ética e o Direito pôde ser testada e provada pela explicitação dos
princípios bioéticos sob a forma de direitos humanos.
3.2.2 Ética, Moral e Direito
José Roberto Goldim36
É extremamente importante saber diferenciar a Ética da Moral e
do Direito. Estas três áreas de conhecimento se distinguem, porém têm
grandes vínculos e até mesmo sobreposições. Tanto a Moral como o
Di r e i t o   s e  ba s e i am  em  r e g r a s   que   v i s am  a   e s t abe l e c e r  uma   c e r t a
previsibilidade para as ações humanas. Ambas, porém, se diferenciam.
A Moral estabelece regras que são assumidas pela pessoa como
uma forma de garantir o seu bem-viver. A Moral independe das fronteiras
geográficas e garante uma identidade entre pessoas que sequer se conhecem, mas utilizam este mesmo referencial moral comum.
O Direito busca estabelecer o regramento de uma sociedade
delimitada pelas fronteiras do Estado. As leis têm uma base territorial, elas
valem apenas para aquela área geográfica onde uma determinada popula-
ção ou seus delegados vivem. O Direito Civil, que é referencial utilizado
no Brasil, baseia-se na lei escrita. A Common Law, dos países anglosaxões, baseia-se na jurisprudência. As sentenças dadas para cada caso em
particular podem servir de base para a argumentação de novos casos. O
Direito Civil é mais estático e a Common Law mais dinâmica.
Alguns autores afirmam que o Direito é um sub-conjunto da
Moral. Esta perspectiva pode gerar a conclusão de que toda a lei é
moralmente aceitável. Inúmeras situações demonstram a existência de
conflitos entre a Moral e o Direito. A desobediência civil ocorre quando
36 Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/bioetev.htm>.
Tanatologia.pmd 141 25/03/2008, 12:35142 Tanatologia: vida e finitude
argumentos morais impedem que uma pessoa acate uma determinada lei.
Este é um exemplo de que a Moral e o Direito, apesar de se referirem
a uma mesma sociedade, podem ter perspectivas discordantes.
A Ética é o estudo geral do que é bom ou mau. Um dos objetivos
da Ética é a busca de justificativas para as regras propostas pela Moral e
pelo Direito. Ela é diferente de ambos – Moral e Direito –, pois não
estabelece regras. Esta reflexão sobre a ação humana é que a caracteriza.
3.2.3 A evolução da definição de Bioética na visão de Van Rensselaer
Potter – 1970 a 1998
José Roberto Goldim
37
A melhor maneira de entender o que é Bioética talvez seja acompanhar a evolução de sua definição ao longo do tempo. O Professor Van
Rensselaer Potter propôs, em 1998, que a Bioética está atualmente no seu
terceiro estágio de desenvolvimento. Caracterizou o primeiro estágio como
sendo o da Bioética Ponte, o segundo como o da Bioética Global, e o
terceiro e atual como o da Bioética Profunda.
A proposta original da palavra Bioética feita pelo Professor Van
Rensselaer Potter, em 1970, tinha uma grande preocupação com a interação
do problema ambiental às questões de Saúde. Suas idéias se baseavam nas
propostas do Professor Aldo Leopold, especialmente na sua Ética da Terra.
Atualmente, esta primeira proposta é classificada por ele próprio como
Bioética Ponte, especialmente pela característica interdisciplinar que foi
utilizada como base de suas idéias. Esta primeira reflexão incluía um
grande questionamento sobre a repercussão da visão de progresso existente na década de 1960. O termo Bioética, ainda durante a década de 1970,
devido à crescente repercussão dos avanços na área da Saúde, foi sendo
utilizado em um sentido mais estrito. Estas propostas foram feitas especialmente pelo Professor Warren Reich e pelo Professor LeRoy Walters,
ambos vinculados ao Instituto Kennedy de Ética, da Universidade
37 Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/bioetev.htm>.
Tanatologia.pmd 142 25/03/2008, 12:35Prof. Euler Esteves Ribeiro, M.D., Ph.D. 143
Georgetown/Washington DC, e pelo Professor David Roy, do Canadá.
Estes autores restringiram esta reflexão apenas às questões de assistência
e pesquisa em Saúde.
Outros autores, como o Professor Guy Durant, do Canadá, também assumiram esta posição ao longo da década de 1980, mantendo a
base interdisciplinar da proposta original. Esta visão restritiva foi incorporada pela base de dados Bioethicsline, que consolida a produção de
conhecimento na área de Bioética. O Professor Warren Reich reiterou,
em 1995, sua perspectiva para o termo, incorporando a sua proposta de
Bioética as perspectivas interdisciplinar, pluralista e sistemática.
Em 1988, o Professor Potter reiterou as suas idéias iniciais,
criando a Bioética Global. O Professor Potter entendia o termo global
como sendo uma proposta abrangente, que englobasse todos os aspectos
relativos ao viver, isto é, envolvia a saúde e a questão ecológica. O
Professor Tristran Engelhardt defendeu a proposta de que a Bioética é uma
proposta pluralista. Esta proposta também teve diferentes interpretações.
Alguns autores, como os Professores Alastair V. Campbel e Solly Benatar,
entenderam o termo global não no sentido de abrangente, desde o ponto
de vista interdisciplinar, mas como uma visão uniforme e homogênea em
termos mundiais, enquadrando-a no processo de globalização. Ou seja,
que seria estabelecido um único paradigma filosófico para o enfoque das
questões morais na área da Saúde, caracterizando uma nova forma de
“imperialismo”.
Com o objetivo de resgatar a sua reflexão original, o Professor
Potter propôs, em 1998, a nova definição de Bioética Profunda. Esta
denominação foi utilizada pela primeira vez pelo Professor Peter J.
Whitehouse, aplicando à Bioética o conceito de Ecologia Profunda, do
filósofo norueguês Arne Naess. Esta proposta abrangente e humanizadora
da Bioética já vinha sendo defendida por outros autores, tal como o
Professor André Comte-Sponville. Em 2001, o Programa Regional de
Bioética, vinculado à Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) definiu Bioética igualmente de forma ampla, incluindo a vida, a saúde e o
ambiente como área de reflexão.
O fundamental é notar como é importante para Potter manter na
Bioética as características fundamentais – ampla abrangência, pluralismo,
Tanatologia.pmd 143 25/03/2008, 12:35144 Tanatologia: vida e finitude
interdisciplinaridade, abertura e incorporação crítica de novos conhecimentos – em todas as suas propostas de definições.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENATAR, S. Imperialism, research ethics and global health, J Med Ethics 1998;24(4):221-
222.
CAMPBEL,  A.  V.  Bi o é t i c a  G l oba l :   s onho   ou pe s ade l o ?   O Mundo  da  S aúde
1998;22(6):366-369.
POTTER, V. R. Palestra apresentada em vídeo no IV Congresso Mundial de Bioética.
Tóquio/Japão: 4 a 7 de novembro de 1998. Texto publicado em  O Mundo da
Saúde 1998;22(6):370-374.
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3.2.4 BIOÉTICA  NO  BRASIL – INICIATIVAS  INSTITUCIONAIS
Existe um despertar de grande sensibilidade em relação à Bioética
no país, gerando várias iniciativas individuais e institucionais, responsá-
veis pela promoção de eventos, jornadas, seminários e congressos, capazes
de envolver um número significativo de pessoas interessadas no tema – na
maioria das vezes, da área de Saúde. Conheça, neste relação atualizada a
partir do levantamento realizado pelo teólogo Léo Pessini, o trabalho de
Centros já consolidados na realidade brasileira, cujo entusiasmo pela Bioética
tem incentivado outros a seguirem o mesmo exemplo.
• Sociedade Brasileira de Bioética (SBB)
• Comissão de Bioética do Hospital das Clínicas – FMUSP
• Conselho Federal de Medicina (CFM)
• Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep)
• Instituto Oscar Freire – Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
• Núcleo Interinstitucional de Bioética – Universidade Federal
do Rio Grande do Sul
• Núcleo de Estudos de Bioética da Pontifícia Universidade
Católica (PUC) – Porto Alegre (RS)
• Cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília (UnB)
– Brasília (DF)
• Centro Universitário São Camilo – São Paulo (SP)
• Núcleo de Ética Aplicada e Bioética/ Escola Nacional de
Saúde Pública/ Fiocruz
• Núcleo de Bioética da Universidade Estadual de Londrina
(UEL) – Paraná
• Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero
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